Em Havana (Cuba), onde participou da cúpula do G77, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou cercado de gafes e declarações que afetam o alcance de sua diplomacia, segundo analistas.
Declarações como a garantia de que o presidente russo, Vladimir Putin, não será preso se vier ao Brasil, a saída do Tribunal Penal Internacional e a reabilitação política do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, atrapalham a retomada da diplomacia brasileira na arena global. “As viagens são corretas, mas o governo deve se preocupar em dosar a quantidade e garantir que sejam bem preparadas, para não arruinar os efeitos com declarações extemporâneas”, disse Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil nos EUA.
Para Rubens Barbosa, ex-embaixador e presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), do ponto de vista da política externa, a preocupação não deveria ser a quantidade de viagens, mas as falas de Lula.
“O presidente tem feito muitas declarações que causam surpresa no exterior”, afirma Barbosa. “Há sinais que poderiam indicar uma ideologização da política externa, o que seria muito negativo no mundo dividido em que vivemos hoje.”
Alerta
Segundo ele, as declarações de Lula preocupam porque são conflitantes com a política externa brasileira, como no caso da Ucrânia. “Quando ouvimos as declarações do presidente, parece que o Brasil está tomando um lado, quando a política deveria ser de equidistância e independência.”
Para a diretora do programa de estudos brasileiros da Universidade de Oxford, Laura Trajber Waisbich, nem toda declaração controvertida significa uma crise diplomática, mas a Ucrânia é um ponto sensível e a repetição dessas falas ameaça a credibilidade e o alcance da diplomacia brasileira. “Lula tem essa característica da espontaneidade. Isso pode causar problemas. É uma crise recente, extremamente polarizada, e são deslizes que criam ruídos desnecessários”, afirma.
Para evitar os sinais trocados, o Brasil precisa ser mais claro em relação à política externa. Ricupero argumenta que, passados nove meses de governo, ainda não há uma exposição clara do que o Brasil defende, com exceção da agenda ambiental, que é bem avaliada.
A relação com a China é um ponto sensível. Em meio à disputa com os EUA, Pequim aumentou sua influência na América Latina e assumiu o posto de maior parceiro comercial no Brasil. Lula, porém, parece mais interessado em uma parceria mais ampla com os chineses, vista com preocupação.
“O Brasil é ocidental, mas tem uma forte dependência da Ásia, porque 37% de seus produtos agrícolas vão para China”, disse Barbosa. “Mas temos laços importantes com os EUA também e não podemos tomar partido ideológico acima do interesse nacional.”
O alinhamento automático do Brasil com qualquer potência é um risco, segundo a coordenadora do curso de relações internacionais da FAAP, Fernanda Magnotta. Ela diz que o Brasil, muitas vezes, se alia ao eixo antiocidental por defender um maior pluralismo no cenário global.
Mas, enquanto o Brasil quer mais representatividade no sistema internacional, China e Rússia buscam um protagonismo de viés oligárquico. “A crítica que se faz a Lula é que o Brasil pode virar massa de manobra desses países poderosos e ser levado a reboque para uma agenda que não é de interesse dele”, alerta Magnotta.
