O time do ministro da Economia, Paulo Guedes, já tem uma argumentação preparada para rebater comparações da política econômica liberal do governo brasileiro com a agenda que levou o presidente da Argentina, Mauricio Macri, à derrota eleitoral no domingo (27). A equipe econômica reforçará a tese de que o resultado das urnas no país vizinho não foi uma negativa ao programa de ajuste fiscal, e sim consequência da decisão de Macri de implantar seu programa aos poucos.
O chamado gradualismo argentino era criticado por especialistas desde o início do governo Macri, em 2015, por não ter sido suficiente para blindar o país das turbulências da economia mundial.
Capitalização ainda é meta
O argumento da equipe econômica é que o Brasil está na direção oposta e já deu o pontapé inicial em um ajuste sólido nas contas públicas com a aprovação da reforma da Previdência. Segundo uma fonte, a população brasileira ainda apoia as reformas, na expectativa de que estas levem ao crescimento econômico.
A eleição do peronista Alberto Fernandéz deve reforçar, no entanto, a tese de que há na América Latina uma onda de insatisfação em relação a políticas liberais. Um exemplo são os protestos no Chile, com críticas às regras da Previdência e à privatização de serviços públicos.
Diante disso, o foco é defender o receituário. Segundo uma fonte, a Argentina era uma potência no início do século XX e foi prejudicada pelo peronismo. Já o Chile teria feito o caminho inverso, aumentando sua renda per capita dos anos 1970 para cá graças ao liberalismo, afirmou.
Um sinal disso é que técnicos continuam a trabalhar na proposta de transição para o regime de capitalização, em que cada trabalhador contribui para a própria poupança. Esse sistema, usado no Chile, foi rejeitado pela Câmara dos Deputados na tramitação da reforma da Previdência.
Mas é defendido por Guedes para garantir a aposentadoria das futuras gerações. A equipe busca não repetir erros da aplicação do modelo em outros países, ao garantir, por exemplo, o salário mínimo.
Já no comércio exterior, a expectativa é que os negócios entre os dois países não sejam prejudicado pelas diferenças políticas.
Também está no radar a permanência do Brasil no Mercosul. Segundo um integrante da equipe, uma eventual saída do bloco é vista como um cenário extremo. Mas caso o governo argentino imponha obstáculos a um acordo com a União Europeia, por exemplo, o cálculo é que seria mais interessante para o Brasil fechar um acerto com os europeus, em vez de dar preferência ao bloco sul-americano.
“É hora de pragmatismo”
Entre os setores que mais exportam para a Argentina, há cautela em relação a uma eventual redução de tarifas alfandegárias unilateral pelo Brasil. A avaliação é que a abertura comercial precisa ser acompanhada de medidas para aumentar a competitividade da indústria brasileira.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados, Haroldo Ferreira, reuniu-se recentemente com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo. Teve a sinalização de que a abertura comercial contará com estímulos à produtividade, como a reforma tributária. Para o setor calçadista, afirmou, as tarifas de importação cairiam de 35% para 15%.
“Não se pode reduzir 20 pontos percentuais a tarifa de importação e reduzir só em 10 pontos percentuais os nossos custos. Aí perderíamos competitividade”, disse Ferreira.
Para Ferreira, a eleição de Fernández, com viés mais protecionista do que o do liberal Mauricio Macri, traz novamente o fantasma de barreiras aos calçados brasileiros exportados para a Argentina. Ainda assim, diz, é cedo para uma avaliação mais definitiva sobre o rumo da política econômica do futuro presidente argentino.
Uma eventual mudança nas regras do Mercosul também preocupa o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, Fernando Pimentel. A Argentina é o maior comprador de têxteis do Brasil: é o destino de 25% das nossas exportações, um comércio anual de US$ 200 milhões. Ele acredita que os dois países deverão chegar a uma convergência logo pela própria proximidade geográfica.
“A hora não é de especular sobre o que vai acontecer, é hora de cabeça fria e pragmatismo”, disse Pimentel.
