A questão fiscal do Brasil já gera efeitos tanto de curto como de longo prazos, chegando à economia real. O FMI (Fundo Monetário Internacional) aponta que a dívida do País vai superar, ainda neste ano, 100% do PIB (Produto Interno Bruto), em patamar comparável ao da Grécia em 2007, antes de sua crise.
O Brasil precisa rolar, em até 12 meses, o equivalente a 44,1% de seu PIB, segundo contas da economista Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ. Significa um esforço financeiro inédito de R$ 3,17 trilhões: “O fato de a dívida pública estar em 100% do PIB não é um problema em si. O problema é a projeção dela, que não parece controlada”, diz ela.
A professora da UFRJ soma a dívida que vence em até 12 meses, que equivale a 34,1% do PIB, com a estimativa de déficit das contas públicas de 10% do PIB no período, que ela considera “conservadora”: “Isso obriga o Tesouro a ir ao mercado o tempo todo. Mas a que condições? Com juros futuros crescendo? Podemos ter um colapso das contas.”
O FMI estima que o país deve fechar o ano com a dívida a 101,4% do PIB. Nas contas do governo e da agência Moody´s, com outras metodologias, isso vai a 95%. Mas, nas duas previsões, o endividamento está aumentando.
A dívida pública não deve se estabilizar antes do fim da década, de acordo com projeções do Instituto Fiscal Independente (IFI), ligado ao Senado. Segundo Felipe Salto, diretor da entidade, a dívida vai chegar a 117,6% em 2030, no cenário mais provável.
Contas deficitárias com pressão para aumentar os gastos com o sistema de proteção social e para ajudar na retomada ampliam os temores de crise fiscal.
O déficit público nominal, que soma o rombo nas contas e o pagamento de juros, deve chegar a 17,2% do PIB este ano, pelas projeções do governo. Nunca esteve tão alto.
“A situação é chocante e está sendo pouco discutida. Temos um problema grande pela frente, se endividar para pagar as contas não é sustentável”, afirma Armando Castelar, da Fundação Getulio Vargas.
Problema global
Assim, embora a Selic esteja hoje em 2% ao ano, os juros dos títulos de dez anos estão em 8,3% e continuam subindo, num sinal claro de desconfiança no controle fiscal.
Margarida diz que, no mundo, o movimento é inverso: juros de títulos mais longos estão caindo. Nos EUA, estão em 0,7%.
A dívida não vai crescer só no Brasil. O FMI estima que, com a pandemia, o endividamento global vai avançar em US$ 11,7 trilhões. O problema é que o Brasil entrou na crise com uma dívida de quase o dobro da média dos países emergentes.
Empréstimos subsidiados e aumento de gasto corrente, principalmente no governo Dilma Rousseff, deterioram a situação fiscal, afirma Monica de Bolle, da Universidade Johns Hopkins (EUA):
“Não acredito que teremos calote, reestruturação ou hiperinflação, mas, sim algum aumento de impostos e inflação um pouco mais alta. Vai impactar toda uma geração, com crescimento muito menor.”
Mas nem todos concordam que subir impostos é solução. O economista-chefe do Banco Itaú, Mario Mesquita, diz que a saída ideal é diminuir gastos: “Sempre resolvemos o déficit aumentando impostos, cobrando do setor privado. Está na hora de o setor público dar a sua contribuição.”
Para Mesquita, a lei do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação, está gerando o debate sobre as prioridades no Orçamento.
Alessandra Ribeiro, sócia da Consultoria Tendências, diz que, para o teto de gastos sobreviver, o novo programa social que o governo planeja tem de ser bem menor que o auxílio emergencial, e é preciso aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC) emergencial, que fixa gatilhos para conter gastos. Mesmo assim, diz ela, há risco de o teto estourar.
“Rearranjo dos gastos sociais seria um caminho, mas o presidente já negou. Bolsonaro não quer fazer escolhas difíceis, por isso a percepção do mercado sobre o risco fiscal aumenta”, analisa.
Salto, do IFI, diz que a desconfiança do investidor vem da incerteza sobre a política fiscal no ano que vem. O Orçamento não foi aprovado e não se sabe o tamanho do sistema de proteção social em 2021: “Tem de mostrar como vai ser financiado. As declarações de usar precatórios e o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) trouxeram o temor de contabilidade criativa. O cenário está muito turvo, o Executivo tem de apontar uma saída.”
Luiz Carlos Prado, professor da UFRJ, teme corte de gastos neste momento de crise: “Cortar mecanismos de crescimento torna a dívida insustentável, puxa a economia para baixo, e a dívida cresce.” As informações são do jornal O Globo.