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O cancelamento do encontro com Bolsonaro irritou ministro francês que estava em Brasília e arrisca atrapalhar a aprovação do pacto da União Europeia com o Mercosul

Bolsonaro fez uma "live" nas redes sociais enquanto cortava o cabelo na hora de encontro desmarcado com chanceler de Macron, Jean-Yves Le Drian (foto). (Foto: Reprodução/Youtube)

Os 12 minutos da “live” feita nas redes sociais por Jair Bolsonaro (PSL) enquanto cortava o cabelo podem não ter jogado fora os 20 anos de costura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, mas arriscam atrapalhar o ritmo da aprovação do pacto.

O motivo foi o compromisso que o presidente brasileiro cancelou para logo depois discorrer na internet sobre a morte, na ditadura, do pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil. Era um encontro, às 15h de segunda-feira (29), com o poderoso chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, considerado um dos braços direitos do presidente Emmanuel Macron.

Diplomatas ligados à visita de Le Drian disseram que o sentimento do chanceler variou da frustração inicial à genuína irritação, quando a imagem do mandatário sob tosa surgiu no Facebook logo depois do período previsto da audiência.

Mesmo a versão oficial de que a agenda do presidente estava subitamente apertada não correspondia à verdade, segundo diplomatas em Paris. Na reunião que teve com o chanceler Ernesto Araújo, pela manhã, o brasileiro já havia dito que Bolsonaro ficara agastado com os mais recentes movimentos franceses em relação à política ambiental brasileira.

Em maio, Macron recebera o famoso cacique Raoni para falar de desmatamento da Amazônia, foco sensível do governo, que é atacado por ambientalistas por sua prioridade ao agronegócio. E o próprio Le Drian incluiu em sua agenda em Brasília encontro com o opositores da política de Bolsonaro, que veem como predatória. Além disso, o interesse manifestado pelos franceses por um encontro com o vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB), também desagradou a Bolsonaro.

O mandatário tem uma relação formal com o vice, que vê como alguém que não perde a oportunidade de mostrar-se mais qualificado e cosmopolita que o presidente. Mas a “agenda apertada” anunciada oficialmente resolveria a questão sem estardalhaço, como gostam os meios diplomáticos.

Le Drian voltaria para a França com o acerto da criação de um grupo de trabalho para monitoramento de parâmetros ambientais dos Acordos de Paris, que Bolsonaro queria abandonar, mas nos quais permaneceu para não prejudicar os negócios. O chanceler francês seguiu viagem no Brasil nesta terça (30) em São Paulo, onde encontrou-se com o governador João Doria (PSDB).

Nenhum dos dois falou sobre o incidente da véspera, mas o tucano elaborou uma agenda para, segundo auxiliares, deixar uma boa impressão de saída a Le Drian. Como em ocasiões anteriores, foi uma oportunidade para Doria diferenciar-se politicamente de Bolsonaro, com quem disputa faixa semelhante de eleitorado numa eventual disputa presidencial em 2022.

Facilitou a vida do governador o fato de ter morado na França na infância, falar francês e ter negócios a tratar. Seus planos de desestatização incluem três áreas que interessam muito a Paris: saneamento, setor ferroviário e aeroportos regionais.

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