Uma série de estudos recentes, publicados nas revistas Science e Nature, revelou que potentes anticorpos neutralizadores podem ter um efeito importante no controle da doença. Os artigos mostraram que os tais anticorpos, retirados de pacientes que têm naturalmente uma resistência maior ao vírus e então clonados, protegeram pacientes que deixaram de tomar as drogas antirretrovirais e podem mesmo estar engajando o sistema de defesa do organismo a voltar a combater o vírus.
O novo estudo revelou dados de um ensaio clínico com 13 pacientes infectados com o HIV-1. Pacientes que receberam quatro tratamentos com o anticorpo neutralizador (conhecido como 3BNC117) em intervalos de duas semanas experimentaram uma média de demora no retorno do vírus de 9,9 semanas, comparados com registros históricos que mostram uma média de 2,6 semanas. Essa linha de pesquisa poderá reverter no futuro um tratamento e uma forma de prevenção relativamente baratos para a doença, especialmente disseminada em países pobres da África.
“Os testes em modelos animais foram muito encorajadores, mostrando que os anticorpos podiam proteger contra a infecção”, disse o pesquisador brasileiro Michel Nussenzweig, imunologista na Universidade Rockefeller, em Nova York (EUA).
“Anticorpos têm propriedades adicionais, eles podem engajar o sistema imune em uma forma de imunoterapia – embora não seja uma vacina, é uma proteção semelhante a uma vacina”, diz o pesquisador. Em um estudo anterior, também de autoria do brasileiro, macacos receberam uma injeção de anticorpos que garantiu 23 semanas de proteção. É esse efeito a longo prazo que Nussenzweig e colegas procuram: obter terapias baratas e que possam ser aplicadas em locais com infraestruturas de saúde pública precárias, notadamente na África.
Clonando anticorpos.
O vírus HIV é notoriamente letal porque ataca justamente as células de defesa do organismo humano que deveriam impedir a infecção. É um tipo de “retrovírus”, muito simples geneticamente, mas perigoso especialmente por isso. Ele é capaz de múltiplas mutações e pode ficar dormente dentro de células humanas.
“As drogas antirretrovirais são ótimas e baratas, mas têm efeitos colaterais e não curam a doença”, diz o pesquisador brasileiro radicado nos EUA. Mas uma parte dos pacientes tem atividade ampla de anticorpos contra o vírus HIV; algo já conhecido fazia vários anos. Faltava tentar usar essa descoberta em termos práticos, algo que Nussenzweig e colegas têm aperfeiçoado. Os superanticorpos são conhecidos pela sigla em inglês bNAbs, de “broadly neutralizing antibodies” (“anticorpos amplamente neutralizadores”). Eles atacam diferentes alvos em uma proteína na superfície do vírus, a gp160, que lembra uma série de pregos ou “espigões” grudados na esfera que constitui o vírus.
O pesquisador, então, desenvolveu um método particularmente eficaz para clonar esses superanticorpos dos pacientes especiais. O estudo é delicado em termos éticos, pois inclui substituir uma terapia que funciona – o coquetel antiviral – por outra ainda em pesquisa. Os participantes foram informados dos riscos, pois pararam com a medicação dois dias depois da primeira injeção de anticorpos.
Um grupo recebeu uma dose inicial do anticorpo 3BNC117 e outra 21 dias depois; outro grupo, além da dose inicial, recebeu doses semelhantes 14, 28 e 42 dias depois, desde que não houvesse o retorno do vírus. Se houvesse retorno do vírus acima de um limite especificado, a nova terapia seria descontinuada e a antiga restabelecida.
Os resultados mostraram que 30% dos participantes continuaram sem a volta do vírus mesmo quando as concentrações de anticorpos tinham caído muito, e em apenas um caso o vírus emergente parecia ter alguma forma de resistência ao 3BNC117. (Folhapress)