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O destino é a jornada

Aurora Boreal na Lapônia. (Foto: Reprodução)

Eu jamais esquecerei essa cena: meus dois filhos em uma casa da árvore, sob a luz de inúmeras estrelas, conversando e rindo e olhando para o céu, enquanto eu e o meu marido os admirávamos de longe, de mãos dadas, em paz.

A cena aconteceu na Lapônia, mas poderia ter acontecido em muitos outros lugares — inclusive no terreno, no interior, da casa de algum familiar distante. Acabamos de voltar de 12 dias na Europa — eu, Patrick, Thomas e Henri — e ainda estou desfazendo as malas internas. Aquelas que vêm cheias de lembranças, pequenos perrengues, gargalhadas, neve nos cabelos dos guris e a aurora boreal (um fenômeno que só aparece na linha do Círculo Polar Ártico e em apenas alguns meses do ano), que finalmente vi dançar sobre a minha cabeça.

Realizamos sonhos: o meu, de ver o céu acender; os deles, de ver o mundo ficar branco.

E o meu recado, neste texto, é simples: viajar com os filhos é essencial. E, nesse caso, a jornada é o destino. Para onde você quer — ou pode — levá-los não importa. O que importa é que você os pegou pela mão para lhes apresentar o mundo. Junto com você. E isso traz inúmeros benefícios. Viajar nunca é gasto; é sempre investimento.

Viajar em família é uma espécie de pacto silencioso: por alguns dias, permitimo-nos ser menos “gestores de rotina” e mais parceiros de aventura. Menos correção, mais conexão. Menos “vamos logo”, mais “olha isso aqui”. E é impressionante como, quando desaceleramos, os filhos florescem.

E não é só percepção de mãe, tá? É ciência.

Um estudo recente publicado por Li, Arcodia e Yang (2024), que revisa processos de aprendizagem infantil durante viagens, mostra que experiências fora da rotina criam oportunidades reais de desenvolvimento: crianças tornam-se mais confiantes, mais adaptáveis e ampliam seu repertório cognitivo quando precisam lidar com o novo, o inesperado, o diferente. A viagem vira uma escola sem carteiras — um laboratório vivo em que cada rua, cada estação de metrô, cada deslize no gelo ensina algo sobre o mundo e sobre si.

Outro estudo, de Mirehie & Sharayevska (2022), na área da psicologia positiva, aponta que viagens em família fortalecem o bem-estar emocional, aumentam a coesão, reforçam os laços e criam memórias afetivas duradouras — aquelas que, anos depois, ainda iluminam conversas na mesa do jantar.

E há mais: pesquisas com quase 10 mil crianças mostram que aquelas que viajam com regularidade relatam maior satisfação de vida, sinalizando que o impacto é profundo e contínuo.

Mas não é só no coração que a viagem mexe — é no cérebro também.

A neurociência já nos ensinou que a rotina é confortável, mas não transformadora. Quando viajamos, somos obrigados a criar novos mapas mentais; ativamos áreas relacionadas à plasticidade neural, à curiosidade, à criatividade. Nosso cérebro, diante do novo, expande-se. Abre janelas. Aumenta conexões sinápticas. Como dizia o nosso Mário Quintana, “viajar é trocar a roupa da alma”. E é exatamente isso: a mente volta diferente, mais fresca, mais viva.

O maior ganho, sem dúvida, é que viajar abre horizontes — não só geográficos, mas morais, culturais e emocionais.
Como criar crianças com pensamento crítico sem permitir que vejam realidades diferentes das suas?
Como ensinar tolerância sem expô-las à diversidade?

Como falar de mundo se elas só conhecem o seu próprio condomínio?

É preciso comparar para compreender.
É preciso ver para formar juízo.
É preciso sair para poder voltar melhor.

E, no meio disso tudo, acontece o milagre da família. Não aquele ideal das propagandas, mas o real, mesmo: o que se constrói entre o cansaço e o encantamento. O que se fortalece quando o pai segura a mão do filho em um lago congelado. O que se revela quando a mãe tenta decifrar um mapa e erra — e todos riem juntos.

O que se eterniza quando um menino de 6 anos olha para a imensidão de uma nova cidade, jamais vista por seus olhinhos, do alto de uma enorme torre, e diz:

“Esse é o segundo melhor momento da minha vida. O primeiro foi quando eu conheci a minha família.”

Acredito que ele se referiu ao amor que sente por nós — não especificamente ao dia do seu nascimento.
E essa frase abalou meu coração com uma gratidão imensa. Assim como quando o nosso adolescente, em meio à sua turbulência hormonal, deitou no meio da nossa cama e confessou:

“Eu também preciso ficar com vocês um pouco sozinho.”

A gente viaja para ver o quanto o mundo é grande.
Mas também para concluir que não há nada mais forte e especial do que o nosso cantinho, em meio a quem a gente ama. Literalmente.

O maior ganho é sabermos que eles crescem confiando que têm, ao nosso lado, um porto seguro — o “meio da cama” — sempre à disposição para acolhê-los, mas sabendo que lhes demos, também, a grande capacidade de voar.

Instagram: @ali.klemt

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