A nova jornada do ex-senador Aécio Neves (PSDB-MG) como deputado federal começou com o máximo de discrição para um político que liderou o PSDB durante quatro anos e chegou muito perto de comandar o Brasil (foi derrotado pela petista Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2014) até ser arrebatado por denúncias e gravações na Operação Lava-Jato.
Nas palavras de um interlocutor, ele hoje está “comendo pelas beiradas, como um bom mineiro”. Aécio ainda não fez discurso na tribuna, por exemplo. De dez dias com sessões, marcou presença em sete, mas não passou muito tempo confraternizando no plenário. O tucano – que no próximo domingo completará 59 anos de idade – tem saído no meio das sessões e das reuniões do PSDB para se recolher em seu gabinete.
Os seus aliados mais próximos se restringem a três dos quatro mineiros da bancada: Domingos Sávio (presidente estadual da sigla), Paulo Abi Ackel e Rodrigo de Castro. Aécio quis e conseguiu um espaço dos mais reservados da Casa, no subsolo do plenário. O gabinete tem pé direito baixo e nenhuma janela. Para evitar o abafamento, retirou a cozinha que existia no gabinete e instalou um ar-condicionado potente.
Essa mudança implicou o sepultamento de um velho hábito: eram notórias as fornadas de pães de queijo que saíam quentinhos de seu gabinete no Senado e da presidência do PSDB na mesma casa. Ele também não tem falado sobre articulação política, ao menos não em público. Nos bastidores, contudo, atuou em favor de Renan Calheiros (MDB-AL) na disputa pela presidência do Senado, que não se concretizou.
Sobre a reforma da Previdência, disse à bancada que o Benefício de Prestação Continuada, um dos alvos da equipe econômica do governo, foi uma das grandes conquistas sociais do governo de Fernando Henrique Cardoso, aprofundada na era Lula, e não é algo de que se pode abrir mão.
Comendo pelas beiradas
Aécio, contudo, não dá sinais de que vá se contentar com seu esconderijo sem janelas por quatro anos. Quer integrar a Comissão das Relações Exteriores como titular e a Comissão de Constituição e Justiça como suplente. Antes do carnaval, protocolou seis projetos de lei voltados à assistência social, transparência e melhoria do sistema público de saúde.
Um deles permite deduzir do imposto de renda doações feitas a abrigos para crianças e adolescentes. Outro dispõe sobre cuidados específicos que o sistema de saúde deve ter com crianças prematuras. Um terceiro prevê que a administração pública divulgue um detalhamento dos gastos com publicidade.
Para ganhar espaço, no entanto, erá de vencer uma ala do partido que o vê com desconfiança — em especial, setores do tucanato cada vez mais próximos do governo Bolsonaro. Nas reuniões da bancada, tucanos estreantes, à la João Doria, têm feito discursos pregando uma aplicação mais firme de princípios éticos e lisura no partido.
Nas palavras de um tucano mais experiente, “tem gente que fica falando de corda em casa de enforcado”, ou seja, dando discursos sobre moralidade enquanto Aécio se mantém discreto. O ex-senador é investigado em nove inquéritos e réu em uma ação criminal por corrupção.
