Há datas que carregam ironias históricas… Neste 22 de novembro (vinte e dois, o número que elegeu Jair Bolsonaro) é o dia em que o ex-presidente foi preso. Coincidência? Talvez. Mas, num país que já perdeu o pudor de esconder seus roteiros, coincidências andam cada vez mais raras, não é mesmo?
Para entender o 22 de novembro de 2025, é preciso fazer uma digressão no tempo. Voltar ao momento em que tudo começou a desandar. O Brasil entrou em seu ciclo atual no instante em que o Supremo Tribunal Federal decidiu anular os processos da Lava Jato. Ali se deu o estopim jurídico do caos político em que vivemos. A operação que havia revelado, com riqueza de detalhes, a engrenagem da corrupção nacional foi jogada no lixo. E, junto com ela, veio a soltura de Lula, num gesto que mudou não apenas a eleição, mas o destino institucional do país.
Não sei você, mas eu lembro que chorei naquele dia. Chorei mesmo, chocada com a forma como desarticularam o movimento que voltou a nos dar esperança de um futuro melhor. Chorei porque constatei que a luta contra o sistema é muito, muito difícil. Chorei porque o Brasil é, infelizmente, um país liderado por gente com valores equivocados (“Valores?” Talvez eu esteja falando daqueles valores escondidos em cuecas de políticos por aí). Chorei, enfim, porque uma questão processual tornou um bandido corrupto em um descondenado. Livre e sedento por vingança.
Na sequência, assistimos à construção de um conceito tão amplo quanto conveniente: “atos antidemocráticos”.. Promulgada em setembro de 2021, trata-se de um guarda-chuva semântico sob o qual cabia absolutamente tudo o que desagradava ao establishment. A narrativa foi sendo cuidadosamente empilhada, tijolo por tijolo, até atingir o seu ápice na interpretação oficial sobre 8 de janeiro de 2023. Uma manifestação caótica e desastrosa, sim, mas transformada, sem nuances e sem honestidade intelectual, em tentativa de golpe. Golpe por quem? Com que armas? Com que comando? Silêncio. A história foi escrita antes das perguntas.
E então chegamos ao ponto mais sensível: o processo que condenou Bolsonaro. Um processo instaurado pelo próprio STF, que investiga, denuncia, conduz, interpreta e, ao final, julga. E, para completar, pune. Um poder que decidiu acumular todos os papéis, e que, por isso mesmo, deixou de ser apenas um poder. Tornou-se um sistema dentro do sistema, imune a freios e contrapesos, impermeável à crítica e alimentado por um espírito missionário de “proteger a democracia” mesmo à revelia da própria lei.
Agora pare e reflita: se você é brasileiro e não é de extrema esquerda, você PRECISA pensar sobre o que está acontecendo. Precisa refletir sobre o fato de estarem prendendo preventivamente um homem de 70 anos, debilitado não só pela idade, mas por ter sido vítima de um atentado, que já estava em prisão domiciliar decretada em um processo no qual sequer é réu – e tudo isso sob a justificativa de “risco de fuga” por causa da “desordem” que poderia ser provocada por uma vigília. Uma vigília! Leia-se: um mutirão de orações organizado pelo próprio filho.
É inacreditável.
E, ainda assim, é exatamente isso que está acontecendo diante de nós.
A prisão deste 22 de novembro não é uma decisão judicial isolada. É o tiro de misericórdia de uma engrenagem muito bem montada, que se retroalimenta da mesma corrupção sistêmica que atravessa décadas e partidos e que já não choca mais ninguém. É a conclusão de um projeto de poder que não admite oposição, só adversários a serem esmagados.
Você pode não gostar de Bolsonaro. Pode detestá-lo. Pode jamais ter votado nele. Mas, se você ainda acredita em democracia, precisa admitir: essa prisão não é sobre ele. Ele é apenas o símbolo perfeito, o corpo disponível, a peça escolhida para justificar a escalada de um poder que já não reconhece limites — nem constitucionais, nem morais, nem democráticos.
Hoje, não é Bolsonaro que está sendo preso. Hoje, quem está sendo algemada é a própria democracia brasileira.
E o golpe…o verdadeiro golpe…é esse que se dá sem tanques, sem quartéis, sem rupturas explícitas. É o golpe judicial que se consolidou diante dos nossos olhos cansados. E o pior: sem que a gente sequer se espante.
