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O Ministério Público de Santa Catarina quer impedir menções à vida pregressa de vítimas de crimes sexuais

Advogado de réu absolvido de acusação de estupro questionou fotos “sensuais” da jovem Mariana Ferrer, que fez a denúncia. (Foto: Reprodução)

O Procurador-Geral de Justiça do MP-SC (Ministério Público de Santa Catarina), Fernando da Silva Comin, enviou ao presidente Jair Messias Bolsonaro, ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sugestões de alteração do CPP (Código de Processo Penal) e do Código Penal, com “o objetivo de aumentar a proteção à dignidade da vítima de crimes sexuais e proíbem perguntas e referências à experiência sexual anterior da vítima, seu modo de ser, falar, vestir ou de se relacionar com outras pessoas”.

A medida foi tomada após a divulgação do vídeo de audiência judicial em que a influenciadora digital Mariana Ferrer, de 23 anos, é humilhada pelo defensor do homem que ela acusa de estuprá-la – o empresário André Camargo Aranha. Nas imagens da sessão, divulgadas pelo site The Intercept Brasil, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho diz a ela: “Jamais teria uma filha do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”.

Durante a audiência, o advogado do réu questionou fotos “sensuais” de Mariana e afirmou que ela usava o caso para se promover no Instagram. Ele mostrou uma foto em que a influencer está com o dedo na boca (“chupando o dedinho”, em suas palavras) e diz que, no site de um fotógrafo, há imagens dela em “posições ginecológicas”. O criminalista então apresenta uma foto em que Mariana está sentada, com as pernas entreabertas, vestindo blusa e calcinha pretas. “Não tem nada de mais essa foto, né?”, ironiza Rosa Filho. “Não tem nada de mais mesmo, estou de roupa. A mulher livre não é freira, não, doutor”, explica a influencer. O empresário André de Camargo Aranha foi absolvido da acusação de estupro de vulnerável.

O recente caso que envolveu a apuração da prática de crime de estupro em um beach club na cidade de Florianópolis e ganhou repercussão nacional nos últimos dias, em especial pela condução da audiência de instrução e julgamento, levantou, uma vez mais, a necessidade de discussão sobre os limites de atuação das partes no processo penal, a fim de garantir a busca da prova e da verdade, sem violar a dignidade das vítimas desses crimes”, ressaltou Comin no ofício.

Com a alteração, entre outros pontos sugeridos, seria incluído um parágrafo ao artigo 157 do CPP, que define provas inadmissíveis ou ilícitas:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§ 6º Nos processos que envolvam a prática de crimes contra a dignidade sexual (Título VI da Parte Especial do Código Penal), são inadmissíveis as seguintes provas, salvo se tiverem o objetivo de provar que foi outro o autor do ato delituoso:

I – relacionadas direta ou indiretamente à experiência sexual anterior ou subsequente do ofendido com qualquer pessoa que não seja o réu;

II – que digam respeito ao comportamento sexual do ofendido, seu modo de ser, falar, vestir ou relacionar-se.”

As principais justificativas apontadas para a mudança processual dos crimes contra a dignidade sexual são evitar a revitimização e garantir que o processo judicial não possibilite ou seja utilizado para expor a vida privada da vítima ou desqualificá-la moralmente como uma estratégia da defesa do acusado.

No ofício, Comin destaca iniciativas como essa já adotadas em países como Estados Unidos, Austrália, Canadá e Nova Zelândia, chamadas de “Rape Shield Laws”, que apresentam “dispositivos que vedam às partes realizar perguntas sobre a vida sexual pretérita de vítimas de crimes contra a dignidade sexual; proíbem o uso de evidências sobre o histórico sexual para definir a vítima como um tipo que é mais ou menos suscetível a consentir com a prática de atividades sexuais; e vedam o uso do histórico sexual da vítima para definir sua credibilidade”.

Entre os motivos apontados para que as vítimas de crimes sexuais ainda possam estar sujeitas a ofensas morais e ao uso de sua conduta social e vida privada como argumentos da defesa do réu para desqualificá-la, Comin ressalta que, em que pese o CPP prever a possibilidade de o magistrado indeferir as provas consideradas irrelevantes ou impertinentes, na prática a previsão genérica gera insegurança em razão da possibilidade de a defesa alegar cerceamento de defesa e até mesmo a configuração do crime de abuso de autoridade. As informações são do MP-SC e da Revista Consultor Jurídico.

 

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