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O Poder Judiciário do Brasil se depara com o primeiro caso de falência de clube de futebol

Falência da Sociedade Imperatriz Desportos, conhecido como Imperatriz, está sendo discutida na Justiça do Maranhão. (Foto: Ribamar Pinheiro/Divulgação)

O Judiciário se depara com o primeiro caso de falência de clube de futebol. No início do ano, a Justiça do Maranhão decretou a quebra da Sociedade Imperatriz Desportos, conhecido como Imperatriz, na quarta divisão do Campeonato Brasileiro. A sentença, porém, durou poucos meses porque, em junho, o clube conseguiu revertê-la no Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), por decisão monocrática. A dívida do time é de R$ 2 milhões.

Em mais de dois anos e meio após o pedido de recuperação, em abril de 2023, o clube ainda não apresentou o plano de reestruturação. Esse é normalmente o prazo que dura todo o processo e a supervisão pelo Judiciário. O plano deve ser enviado em até 60 dias da decisão que defere a proteção, como determina a Lei de Recuperações Judiciais e Falências, a nº 11.101/2005. Foi por descumprir essa previsão legal que o juiz Frederico Feitosa de Oliveira, da 5ª Vara Cível de Imperatriz, decretou a falência do time.

Segundo advogados, a questão é controversa, por se tratar de reestruturação de associação civil sem fins lucrativos, entidades que, em tese, não poderiam entrar em recuperação judicial nem em processo falimentar. Desde a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs), a n° 14.193/21, porém, é permitido aos clubes a proteção, mas ela não prevê expressamente a falência. Uma corrente de juristas defende, no entanto, que seria hipótese de insolvência civil. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 3º e 4ª Turmas vedam a aplicação da lei falimentar a essas entidades.

No caso do Imperatriz, se considerou a inércia do clube durante todo o processo. “A ausência do plano compromete a continuidade do processo de recuperação judicial, o que configura, nos termos do artigo 73, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, causa suficiente para convolação da recuperação judicial em falência”, afirma na sentença o juiz Frederico Feitosa de Oliveira.

Em decisão do dia 5 de novembro, Oliveira ainda determinou que os valores que o clube têm a receber da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pela Copa do Brasil e na série D do brasileiro em 2026 sejam depositados diretamente no juízo. Credores estimam que seja cerca de R$ 1 milhão, o que daria para quitar metade da dívida concursal. O clube foi classificado para os campeonatos recentemente.

Até então, o juiz parecia não ter visto a decisão dada em junho pelo desembargador Marcelo Carvalho Silva, presidente da 2ª Câmara de Direito Privado do TJMA, que reverteu a quebra. Isso ocorreu, de acordo com o tribunal, porque o recurso “tramitou em processo apartado” e “não foi vinculado ou protocolado nos autos” do processo principal, na primeira instância – ou, seja, não houve comunicação oficial.

Em nova manifestação no dia 19 de novembro, porém, o juiz de primeira instância revogou a sentença, mas negou pedido de prorrogação para apresentação do plano de recuperação judicial. E deu prazo para que a recuperanda “manifeste-se especificamente sobre a possibilidade de decretação da falência, sob pena de prosseguimento do feito”.

O acórdão do TJMA acata o pedido do clube, de que teria havido “violação do contraditório”, pois, em tese, o juízo não teria analisado, até então, o pedido de prorrogação de apresentação do plano. Considera ainda “melhoria financeira recente”, pois o clube obteve novos patrocínios, direitos de transmissão e vendas de ingressos, o que demonstra possibilidade de soerguimento.

Não foram apresentados relatórios mensais de atividades com os balanços contábeis atuais do Imperatriz pelo administrador judicial nomeado, Bruno Guilherme da Silva Oliveira. Tampouco há site com as informações básicas do processo – como a lei determina. Ele disse que não foi intimado a apresentar tais documentos e que o juiz informou que ele só precisava apresentá-los após o clube protocolar o plano de reestruturação. O TJMA negou ter havido qualquer determinação do juízo nesse sentido.

Para credores, um recurso (agravo de instrumento) julgado por único magistrado é ilegal, pois precisa ser validado pelo colegiado. “O mesmo relator ainda dispensou manifestação do Ministério Público, item obrigatório em segunda instância”, afirma o advogado Thiago Rino, sócio do Rino Direito Desportivo, que representa um atleta. Ele diz que não foi dada oportunidade para a parte contrária se manifestar, além do agravo estar fora do prazo. “Nunca vivenciei uma situação estranha desta.”

Na visão de Rino, que pediu a falência do Imperatriz, o clube tem que arcar com os riscos de uma recuperação malsucedida. “Como o clube não cumpriu os prazos da lei, a consequência é a falência. É inevitável”, diz Rino, dizendo que o time “se aventurou” ao entrar com o pedido sem ter plano de recuperação.

 

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