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O Superior Tribunal de Justiça liberta da prisão acusados com pequena quantidade de drogas

O tribunal vem adotando critérios associados a quantidade, natureza e variedade das drogas apreendidas para conceder habeas corpus. (Foto: Reprodução)

Dez gramas de maconha foram suficientes para manter Lucas da Trindade, de 28 anos, preso preventivamente por 18 meses ininterruptos, em Manhumirim, uma pequena cidade na Zona da Mata de Minas Gerais. O jovem já havia cumprido pena por roubo quando uma batida policial, mobilizada pela denúncia de um usuário, encontrou a trouxa com a erva dentro de casa. Um juiz condenou Lucas por tráfico de drogas, a cinco anos e dez meses de prisão. O advogado do jovem tentou garantir sua liberdade, para que ele aguardasse fora do presídio o julgamento de um recurso contra a sentença. Dois habeas corpus foram negados pelos desembargadores mineiros. Um terceiro pedido foi protocolado em 24 de junho no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dez dias depois, Lucas morreu com Covid-19, doença que se alastrou pelo presídio onde estava.

Não havia necessidade de prisão preventiva. Quando ele foi preso, disse que a maconha era para uso pessoal, que não vendia droga. Essa situação é muito comum aqui na região: pessoas presas com pouca droga, e os juízes alegando que são as circunstâncias, e não as quantidades, que fazem um traficante”, diz o advogado Felipe Peixoto, que defendeu Lucas, ex-empregado de um armazém de café e pai de dois meninos, de 4 e 6 anos.

No STJ, Lucas teria chances de ver interrompida sua prisão preventiva. Um levantamento obtido pelo jornal O Globo, elaborado pelo Núcleo de Acompanhamento na Área Criminal (Nucrim) da Procuradoria-Geral da República (PGR), revela que o tribunal vem adotando critérios associados a quantidade, natureza e variedade das drogas apreendidas para conceder habeas corpus a presos como o jovem da Zona da Mata mineira, que vivenciam longas experiências no cárcere em razão de terem sido flagrados com pequenas porções de maconha, haxixe, cocaína, crack ou ecstasy.

O documento do Nucrim, encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lista 56 decisões favoráveis a presos entre 2018 e maio de 2020, ancoradas principalmente no princípio de que as quantidades de drogas encontradas eram pequenas, insuficientes para justificar penas elevadas ou prisões preventivas. A cada 15 dias, o STJ proferiu uma decisão nesse sentido, seja para relaxar detenções cautelares, para estabelecer novas dosimetrias de penas ou determinar progressões de regime.

O STJ vem atuando para flexibilizar penas e detenções por tráfico de menor gravidade no vácuo deixado tanto pelo Congresso Nacional, que não permite o andamento de projetos que propõem a descriminalização do porte de drogas, quanto do Supremo Tribunal Federal (STF), que protela há cinco anos a conclusão de um julgamento sobre o assunto. Para isso, o STJ usa um entendimento estabelecido pelo próprio STF, em junho de 2016. Um julgamento definiu que o chamado tráfico privilegiado — casos de menor gravidade, em que há bons antecedentes e nenhuma conexão com organizações criminosas — não é crime hediondo, o que permite reduções de penas e flexibilizações de prisões preventivas.

Diante desse novo contexto, alguns pontos sensíveis exigem maiores critérios na análise do caso concreto nos habeas corpus no STJ, a partir da quantidade, natureza e variedade das drogas apreendidas, e daí uma maior flexibilização das prisões preventivas”, afirmam os subprocuradores-gerais da República que atuam no Nucrim da PGR. Eles citam no documento a “maior exigência dos critérios dosimétricos” e a fixação de um regime “mais brando” para a prisão, seja a preventiva ou a definitiva.

O levantamento lista 56 decisões, de dez ministros do STJ, favoráveis aos presos por tráfico de drogas, a partir de uma análise sobre a quantidade da droga apreendida e sobre a gravidade da acusação. O mais comum é o relaxamento de prisões preventivas determinadas pela Justiça nos estados e quase sempre defendidas pelos Ministérios Públicos locais. Há casos de pouquíssimas gramas apreendidas — menos de dez — e outros envolvendo até mesmo centenas de gramas. A reportagem somou as quantidades citadas nas 56 decisões: todos esses casos envolvem 3,63 quilos de maconha, 1,25 quilo de cocaína, 468,5 gramas de crack e 96 gramas de ecstasy.

Entre os habeas corpus deferidos pelo STJ, estão os destinados a presos por importação de pequenas quantidades de semente de maconha. A Câmara Criminal da PGR adotou um entendimento recente de que pequenas quantidades de sementes não configuram crime. “Essa posição foi absorvida pela 6ª Turma do STJ, mas não é a adotada pela 5ª Turma”, afirma o documento elaborado pelo Nucrim da PGR. As informações são do jornal O Globo.

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