Nas últimas três semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser necessário reafirmar em sucessivas decisões um princípio republicano e democrático fundamental — o de que ninguém está acima da Constituição e todos os agentes públicos são igualmente responsáveis perante a lei.
É notável que no Brasil do século XXI o tribunal constitucional tenha julgado relevante, e conveniente, reiterar um primado indiscutível ou inquestionável desde os tempos da República romana, e resumido pelo então senador Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.): “Somos servos da lei, para que possamos ser livres.”
A mensagem permeou despachos em inquéritos nos quais figuram agentes públicos, entre eles o presidente Jair Bolsonaro, ministros e parlamentares. A eles se recordou o elementar dever de fidelidade à lei.
Não por acaso, o STF passou as últimas semanas lembrando-lhes que não há democracia sem respeito às instituições. “O império da nossa Constituição, a sustentabilidade de nossa democracia e a garantia das nossas liberdades não haveria sem um Poder Judiciário que não hesitasse em contrariar maiorias para a promoção de valores republicanos e para o alcance do bem comum”, registraram o presidente e o vice da Corte, ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.
Mais uma vez, o tribunal exorcizou a tese da existência do privilégio presidencial absoluto, insuscetível de controle jurisdicional. Quaisquer que sejam as circunstâncias, prevalece o interesse público, escreveu o ministro Celso de Mello.
A noção de República, anotou, impede a construção “de santuários de proteção em favor de qualquer pessoa sob investigação”, incluindo o presidente. Também não se concebe “imunidade objetiva a determinadas reuniões oficiais ou a certos espaços institucionais reservados a autoridades com prerrogativa de foro”.
Pela natureza tóxica à democracia são, portanto, inadmissíveis, flertes com ruptura da ordem constitucional e ameaças às instituições.
É lamentável que, três décadas depois da redemocratização, o Supremo ainda precise advertir governantes sobre a necessidade de obediência à Constituição. E, sobretudo, que nessa pedagogia precise induzir à leitura do artigo 85, inciso VII da Carta, onde se define: atos de agentes públicos contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais constituem crime de responsabilidade.