A História mostra que há Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) que emplacam e que não emplacam. Quando o tema é popular, a chance de que os trabalhos da comissão funcionem é maior. Melhor ainda se o timing dos trabalhos for bom, se o relator montar uma equipe eficiente para assessorá-lo e, sobretudo, se houver um algoz a culpar pelos malfeitos. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tinha tudo para cumprir esses requisitos, mas falhou no principal: não há apenas um, mas muitos culpados pelos descontos ilegais nas aposentadorias e pensões.
A expectativa inicial era a de que a CPMI fosse um rolo compressor contra o Executivo, que vivia um de seus piores momentos em termos de aprovação e popularidade. Mas, providencialmente, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), conseguiu adiar a instalação da CPMI por três meses, dando tempo para que o Executivo ressarcisse os beneficiários pelos descontos ilegais antes que a comissão iniciasse seus trabalhos, o que já retirou boa parte de seu apelo.
Quando a CPMI finalmente começou a funcionar, o governo cochilou e perdeu os principais cargos da comissão – relatoria e presidência – para a oposição. Parecia que a CPMI iria engatar. Mas, desde então, a base aliada se redimiu e evitou que Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), uma das entidades envolvidas no esquema, fosse chamado para depor.
Comissões parlamentares de inquérito, como se sabe, são instrumentos da minoria – tanto que o número mínimo de assinaturas necessárias para protocolar um pedido de instalação é de apenas um terço dos parlamentares. Logo, o governo atuar para conter o estrago de uma CPMI é algo previsível, mas ver a oposição e o Centrão adotarem a mesma estratégia chega a ser irônico.
Na prática, no entanto, é exatamente o que está ocorrendo. O Estadão mostrou que deputados e senadores têm pisado em ovos para não expor aliados de lado a lado. Pudera. Há relatos de irregularidades desde 2016, durante o governo Michel Temer, mas as denúncias ganharam escala na administração Jair Bolsonaro e só vieram a público sob Lula, quando a arrecadação das entidades explodiu.
Vice-presidente da CPMI, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) expôs à reportagem a existência de “advogados de acusação e de defesa” dos governos Lula e Bolsonaro. “Tem grupos muito claros. Um grupo destinado a defender Bolsonaro, passar pano e esconder os erros, assim como também tem membros que fazem parte da base do governo que fazem a defesa incondicional do governo”, afirmou.
São muitos telhados de vidro em potencial. Membro da comissão, o senador Rogério Marinho (PL-RN) foi secretário especial de Previdência e Trabalho durante o governo Bolsonaro, quando os ilícitos já ocorriam. Onyx Lorenzoni, que assumiu a área depois que ela voltou a ter status de ministério, é pai do advogado Pietro Lorenzoni, que prestou serviços para a União Brasileira de Aposentados da Previdência (Unibap).
Um esquema bilionário não se constrói da noite para o dia e muito menos por acaso. Ao longo de todos esses anos, o Congresso deu aval a várias medidas que enfraqueceram mecanismos de fiscalização desses débitos. Quando as investigações da Polícia Federal (PF) resvalaram em nomes próximos a Alcolumbre e ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o Centrão também passou a agir para se proteger.
Assim, em poucos meses, o objetivo da comissão passou de apurar responsabilidades para reduzir danos. A prisão em flagrante, nesta semana, do presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), Abraão Lincoln Ferreira, mais parece uma cortina de fumaça e uma tentativa desesperada de mostrar alguma força, sobretudo agora que ela passará a dividir holofotes com a recém-criada CPI do Crime Organizado no Senado. É uma pena, pois a sociedade merecia respostas sobre um escândalo dessa monta. (Opinião/O Estado de S. Paulo)
