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Onda de saques na Argentina reaviva fantasma da crise de 2001

Segundo autoridades, os episódios foram incitados pelas redes sociais. (Foto: Reprodução)

O comentário está na mídia, nas redes sociais, nas escolas e nas conversas informais entre argentinos. Na última semana, desde que o país se tornou cenário de uma onda de saques a comércios, a sensação entre muitas pessoas é de que a Argentina está vivendo uma nova crise como a de 2001. Em dezembro daquele ano, o presidente Fernando de la Rúa (1999-2001) renunciou na metade de seu mandato, em meio a uma deterioração social galopante, com saques a supermercados, protestos e panelaços, que provocaram mais de 30 mortos em poucos dias.

As crises de 2001 e a de 1989 — quando a Argentina viveu uma hiperinflação que obrigou o ex-presidente Raúl Alfonsín a antecipar em seis meses a entrega do poder ao peronista Carlos Menem (1989-1999), vencedor da eleição presidencial daquele ano — foram traumáticas. Tanto De la Rúa como Alfonsín eram dirigentes da tradicional União Cívica Radical (UCR), que hoje integra a aliança opositora Juntos pela Mudança.

Estes momentos críticos vividos por ambos presidentes reforçaram a ideia de que apenas os peronistas podem garantir a governabilidade na Argentina. O atual presidente, Alberto Fernández, é peronista, e pertence à coalizão de governo e eleitoral União pela Pátria — formada por peronistas e kirchneristas. Pela primeira vez desde a redemocratização do país, em 1983, um governo peronista parece ter perdido o controle das ruas.

Nas últimas 48 horas, houve três tentativas de saques a comércios na cidade de Rosario, a mais importante da província de Santa Fe, e vários episódios na província de Buenos Aires. As cenas de pessoas entrando aos comércios e levando tudo o que encontram pela frente são transmitidas por canais de TV locais todos os dias. O que a mídia argentina já chama de “onda de saques em massa” está se espalhando rapidamente por várias províncias, algo que não aconteceu em 2001.

Desta vez, já foram registrados incidentes em Mendoza, Córdoba, Santa Fe, Neuquén, Rio Negro (alguns na cidade de Bariloche), e em vários municípios de Buenos Aires, entre eles Escobar, Moreno, Pilar, Merlo, Tigre, Loma Hermosa e José C. Paz. Alguns sites de notícias fizeram mapas para mostrar onde já ocorreram saques.

Redes sociais

A metodologia também mudou. Em 1989 e 2001 — segundo reconheceu no passado a própria vice-presidente Cristina Kirchner quando governava o país, entre 2007 e 2015 — , setores do peronismo incentivaram os saques. Hoje, explicou o jornalista do La Nación Gustavo Carvajal, participam dos ataques grupos vinculados ao narcotráfico, delinquentes comuns, sendo muitos deles menores de idade.

Ainda não está claro se existe participação de setores políticos — embora cresçam as desconfianças que apoiadores do candidato de extrema direta Javier Milei possam estar por trás dos ataques. Por outro lado, entrou em cena o aplicativo de mensagens WhatsApp, através do qual, acrescentou Carvajal, muitos dos saques são organizados.

“Os saques não são espontâneos, são fatos criminosos organizados”, declarou o ministro da Segurança, Aníbal Fernández.

O WhatsApp também serve para alertar moradores de bairros afetados pela onda de violência contra comércios. As mensagens se multiplicaram nos últimos dias, criando um clima de pânico entre milhares de argentinos. A reação de prefeitos, governadores e do governo nacional foi tímida, e levou candidatos à Presidência como Patricia Bullrich, da Juntos pela Mudança, a acusar a Casa Rosada de ser responsável por uma situação de “descontrole social”.

Milei favorecido

Pesquisas que circulam entre analistas locais indicam que a onda de saques estaria favorecendo Milei. Após as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de 13 de agosto, nas quais os argentinos escolheram os candidatos que disputarão o primeiro turno da eleição presidencial, em 22 de outubro, uma pesquisa indicava que o extremista tinha 36% das intenções de voto, Bullrich 23% e o ministro da Economia e candidato do governo, Sergio Massa, 29%. A mesma empresa de consultoria — que pediu anonimato — mediu os candidatos após os primeiros saques e constatou que Milei subiu para 40%. Massa e Bullrich caíram para 28% e 22%, respectivamente.

Neste cenário, Milei seria eleito no primeiro turno, já que as regras eleitorais argentinas exigem, para declarar um vencedor, 45% dos votos, ou 40% com mais dez pontos percentuais em relação ao segundo colocado.

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