A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou nesta semana um estudo que mostra que as mortes causadas direta ou indiretamente pela covid no mundo podem chegar a 14,9 milhões entre 1º de janeiro de 2020 e 31 de dezembro do ano passado – o triplo do oficial. Os cálculos oficiais para o período são de cerca de 5,4 milhões de vítimas. No Brasil, esse número foi calculado em 681.267 perdas, 62 mil a mais do que o balanço de óbitos oficial.
Especialistas apontam subnotificação de mortes pela covid, diante das dificuldades de testagem e diferenças de critérios entre os países na classificação. Outros motivos para o chamado “excesso de óbitos” são os problemas de acesso a tratamentos nos picos de transmissão, quando houve sobrecarga de hospitais e profissionais de saúde. Em algumas regiões, como Manaus, ocorreu colapso do sistema.
Os cálculos da entidade mostram que o intervalo de vítimas ficaria entre 13,3 milhões e 16,6 milhões. Para chegar a esses números, a OMS considerou a diferença entre a quantidade de mortes que ocorreram no período e o número que seria esperado com base em dados de anos anteriores, caso não houvesse pandemia. Como comparação, estimativas indicam que a Gripe Espanhola, entre janeiro de 1918 a dezembro de 1920, teria matado 17 milhões (algumas referências, porém, apontam quase 100 milhões de óbitos).
“Nosso estudo inclui mortes associadas à covid direta (por causa da doença) ou indiretamente (por causa do impacto da pandemia nos sistemas de saúde e na sociedade). As mortes ligadas indiretamente à covid são atribuíveis a outras condições de saúde para as quais as pessoas não tiveram acesso à prevenção e tratamento porque os sistemas de saúde foram sobrecarregados pela pandemia”, explica a OMS.
Isso se aplica, por exemplo, a pacientes de câncer ou de AVC que ficaram sem um acompanhamento adequado ou atendimento rápido. A organização global também destacou a redução de mortes por acidente de carro ou de trabalho no período que muitos estiveram em isolamento social.
Os dados sobre o Brasil estimam que o excesso ficou entre 668.621 e 694.325 óbitos no contexto da pandemia – com média de 681.267. Até o dia 31 de dezembro do ano passado, o consórcio de veículos de imprensa registrava 619.109 mortes pela doença desde o início da pandemia, o que pode demonstrar subnotificação de vítimas da covid-19 e o impacto da pressão sobre o sistema de saúde em relação ao tratamento de outras doenças.
Pelos números oficiais, o Brasil é o segundo com a maior quantidade de vítimas, atrás dos Estados Unidos. Especialistas ainda afirmam que a postura do governo Jair Bolsonaro – que minimizou os riscos da doença, desestimulou a adoção de medidas de prevenção e colocou em xeque a segurança da vacina – piorou o cenário do País no combate ao vírus.
Conforme Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, os números globais são preocupantes e mostram o impacto do coronavírus. “Esses dados apontam para a necessidade de todos os países investirem em sistemas de saúde mais resilientes que possam sustentar serviços essenciais de saúde durante crises, incluindo sistemas de informação de saúde mais fortes”, disse.
De acordo com a OMS, 20 países, que representam aproximadamente 50% da população global, concentram mais de 80% do excesso de mortalidade. A lista é composta por Brasil, Colômbia, Egito, Alemanha, Índia, Indonésia, Irã, Itália, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, África do Sul, Reino Unido, Irlanda do Norte, Turquia, Ucrânia e os EUA.
Outro dado que a organização traz é que, durante os 24 meses do estudo, as mortes ocorreram mais entre pessoas do gênero masculino (57%).
“Calcular o excesso de mortalidade é um componente essencial para entender o impacto da pandemia. As mudanças nas tendências de mortalidade fornecem informações aos tomadores de decisão para orientar as políticas para reduzir a mortalidade e prevenir efetivamente futuras crises. Devido aos investimentos limitados em sistemas de dados em muitos países, a verdadeira extensão do excesso de mortalidade geralmente permanece oculta”, comentou Samira Asma, diretora-geral assistente de dados e análises da OMS.
Para chegar às cifras anunciadas ontem, a OMS usou uma metodologia inovadora que, segundo a entidade, gera estimativas de mortalidade comparáveis, mesmo quando os dados estão incompletos ou indisponíveis. O trabalho é fruto de uma colaboração global e consulta aos países.