Há pouco mais de uma década, os Correios eram considerados a instituição mais confiável do país. A certeza de que uma carta ou encomenda chegará às mãos do destinatário já não existe mais. Atualmente, quase todo mundo tem uma história de pacote perdido para se queixar dos Correios.
Não é à toa. Uma relatório elaborado por uma auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União), que fez uma avaliação da estatal no segundo semestre do ano passado, revela a dimensão dos problemas de logística da empresa.
Em apenas seis anos, a quantidade de indenizações pagas pela estatal por atrasos, extravios e roubos aumentou 1.054%, chegando a um prejuízo de mais de R$ 200 milhões somente com perdas de encomendas ao longo de 2016.
Os dados mostram não apenas a queda na qualidade do serviço, mas evidencia como a crise tem uma característica autofágica: acumulando perdas financeiras há três anos, os Correios não têm recursos para investir na própria infraestrutura para recuperar a confiança em sua operação.
Se destinatários e remetentes estão insatisfeitos, o mesmo acontece com os funcionários da estatal, que realizaram uma greve no início da semana passada. Carteiros e empregados da estatal relatam condições de trabalho cada vez mais precárias. Eles apontam três problemas principais na operação: material inadequado nos centros de distribuição, redução das linhas de transporte e falta de pessoal.
Nos centros de distribuição espalhados pelo Brasil, há salas de triagem sem ventilação, goteiras sobre encomendas, falta de instrumentos de trabalho e muita desorganização.
Necessidades
No Centro de Distribuição do bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro, os últimos meses foram marcados por goteiras e poças nas salas de triagem. Já nas unidades da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste, caixas com cartas e encomendas ficam espalhadas em mesas e pelo chão, diante do acúmulo de itens sem espaço apropriado. Funcionários também convivem com carros e caminhões desativados, abandonados ao ar livre.
As queixas dos funcionários mostram que as dificuldades operacionais dos Correios residem em detalhes simples, como a falta de unitizadores, que são contêineres desmontáveis que facilitam a organização e o transporte das encomendas e correspondência. Com paredes de papelão montados em uma base de borracha, esses contêineres precisam de uma tampa plástica para serem empilhados nos caminhões.
Nas unidades de todo o País, as tampas estão cada vez mais em falta. Como as danificadas não são repostas por falta de recursos, os funcionários levam muito mais tempo para organizar o transporte da carga, que muitas vezes é feito abaixo da capacidade do caminhão, e têm dificuldade de manter a integridade dos pacotes. Começam assim os atrasos e perdas.
E não se trata apenas de uma questão de equipamento. Nos últimos anos, a empresa perdeu funcionários. Uma atividade antes distribuída entre três ou quatro pessoas é feita hoje por uma, dizem empregados. A empresa inciou recentemente uma política em que carteiros deixam de passar diariamente para atender mais ruas em dias alternados. No Rio de Janeiro, essa prática começa em abril.
“As pessoas reclamam comigo, mas queria que entendessem que a culpa não é nossa, mas da empresa”, diz um carteiro, que prefere não se identificar. “Vivemos uma rotina de trabalho duro, sem estrutura, e com sobrecarga de trabalho. Na triagem (de cartas e encomendas), fazemos o trabalho que deveria ser dividido com mais uma ou duas pessoas.”
O acúmulo de serviço só não é pior que a insegurança para rodar com carros, caminhões ou até mesmo a pé. Numa roda de carteiros perto de um centro de distribuição no Rio, a discussão é sobre quem foi roubado mais vezes. “Em quase 15 anos como carteiro, já fui assaltado mais de 25 vezes”, relata outro funcionário. “Roubam toda a carga e os nossos pertences. Já perdi três alianças. Só não largo o emprego por causa da família”.
Os Correios cogitaram suspender as entregas de encomendas na periferia do Rio este ano e só manter o serviço de correspondência, mas a medida foi desencorajada no governo. “Queremos condições justas de trabalho”, reivindica Ronaldo Martins, presidente do Sintect (Sindicato dos Trabalhadores dos Correios) no Rio de Janeiro.
A estatal nega aumento da carga de trabalho dos funcionários. Segundo a empresa, o quadro de pessoal está sendo “adequado considerando a queda dos serviços de mensagens e o crescimento das encomendas”. A empresa afirmou que conversa com parceiros sobre planos de investimento em infraestrutura para reequipar centros de distribuição. Em razão do tamanho da empresa, dizem os Correios, queixas pontuais podem existir em algumas unidades.
