Ela era ousada demais, falastrona demais, difícil demais, americana demais, multicultural demais –os críticos disseram. Não deveria ter alienado a mídia ao se recusar a participar de suas jogadas de celebridade. Não deveria ter gastado tanto dinheiro reformando a casa que a família real generosamente cedeu a ela e seu marido.
E acima de tudo, disseram os críticos, Meghan Markle não deveria ter se imiscuído, ao modo Yoko Ono, no relacionamento antes próximo entre seu marido e o príncipe William, seu irmão mais velho e futuro herdeiro do trono britânico.
Mas embora a duquesa de Sussex enfrentasse críticas ferozes dos britânicos –que gostam que os integrantes de sua família real sejam respeitadores e tradicionais– e dos jornais sensacionalistas, que formam a opinião pública do país, ela mesma tinha problemas com a vida em seu país adotivo.
“Não basta sobreviver, certo?”, ela perguntou queixosamente no documentário “Harry & Meghan: An African Journey”, do ano passado, falando sobre o costume britânico de manter a calma e tocar a vida mesmo em meio às perturbações emocionais mais severas.
“Não é esse o objetivo da vida. Você precisa prosperar, precisa se sentir feliz”, disse. “Tentei realmente adotar essa sensibilidade britânica e me manter imperturbável. Tentei de verdade. Mas acho que o efeito que isso causa por dentro é realmente destrutivo”.
O resultado dessa insatisfação recíproca, ao que parece, foi o extraordinário anúncio do casal via Instagram, na quarta-feira (8), de que eles buscariam “um papel novo e progressista” e “deixariam para trás suas posições como ‘membros seniores’ da família real”. Como isso vai funcionar na prática está aberto a opiniões.
Outros integrantes da família real a abandonaram no passado, de diferentes maneiras. Diana, princesa de Gales, perdeu seu título real depois de se divorciar do príncipe Charles em 1996. O rei Eduardo 8º abdicou e renunciou ao seu direito ao trono em 1936, ao anunciar que desejava se casar com Wallis Simpson, uma americana divorciada e portanto inaceitável.
E o príncipe Andrew foi praticamente exilado da família depois que sua associação com o financista Jeffrey Epstein, caído em desgraça, foi revelada, no ano passado.
Mas não existe precedente para a situação de Harry e Meghan. Nenhum integrante importante da família real anunciou no passado que desejava continuar parte da família, mas ao tempo ficar de fora dela. Exceto pelo rei Eduardo 8º, que viria a se tornar duque de Windsor, e se viu exilado mas sempre sonhou retornar, nenhum membro importante da família real viveu por muito tempo em qualquer lugar que não o Reino Unido.
Os planos de Harry e Meghan de viver parte do tempo no Reino Unido e parte na América do Norte, como seu anúncio revela, parecem ainda mais chocantes.
E embora os demais integrantes que se afastaram do controle férreo da família real o tenham feito com relutância, não muito dispostos a abandonar os privilégios e remunerações da realeza, Harry –ao menos com base no anúncio que fez com Meghan via Instagram– parece entusiástico com relação a essa perspectiva.
O casal não só deseja um novo papel dentro da monarquia, como planeja “trabalhar para se tornar financeiramente independente”. Essa é uma ideia verdadeiramente radical em uma família cujos integrantes sempre desfrutaram de financiamento público.
É significativo que, embora Harry e Meghan em seu anúncio tenham elogiado muito a família real e prometido lealdade à avó de Harry, a rainha Elizabeth 2ª, e à monarquia em geral, a resposta, do lado da rainha, tenha ficado na ponta mais gélida do espectro. O palácio de Buckingham não gosta de ser apanhado de surpresa.
Se existe uma coisa que os jornais sensacionalistas odeiam ainda mais do que uma noiva real ingrata é uma noiva real ingrata que não quer morar no Reino Unido.
