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Pai de vítima do incêndio na boate Kiss é absolvido das acusações de calúnia e difamação contra promotores

A tragédia matou 242 pessoas em janeiro de 2013, em Santa Maria. (Foto: Divulgação)

“Disse Paulo o que pensava. Não tinha dolo de imputar, falsamente, nenhum fato desabonatório a ninguém. (…) Agora, mesmo que a opinião de Paulo fosse equivocada, não vejo como não ser dado a ele o direito de expô-la.” Com esse entendimento, o juiz Leandro Augusto Sassi, titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, absolveu Paulo Tadeu Nunes de Carvalho das acusações de calúnia e difamação supostamente cometidas contra os promotores de Justiça Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan, em processo ajuizado pelo Ministério Público.

Pai de uma das 242 vítimas fatais do incêndio na boate Kiss, o réu respondia por declarações feitas em um artigo publicado no jornal Diário de Santa Maria em abril de 2015. “Quantas vezes dizemos o que pensamos e vemos ao fim o quão errado estávamos, mas mesmo assim, deve sempre nos ser resguardado o sagrado direito de dizer. Sombrios os tempos em que as liberdades eram tolhidas, os textos censurados, os pensadores exilados, os corajosos torturados e ‘desaparecidos’. Oxalá, esse tempo nunca mais volte!”, concluiu o magistrado, em decisão proferida na tarde de terça-feira (18).

Caso

De acordo com o Ministério Público, Paulo tentou macular a reputação dos promotores ao publicar o artigo no jornal. No texto, entre outras afirmações, o denunciado disse: “O absurdo é observar o silêncio (esclarecedor) dos promotores responsáveis pelo caso Maurício Trevisan e Joel Dutra e saber que os promotores do Ministério Público de Santa Maria, mesmo com todos os indícios de envolvimento do prefeito e de seus secretários, pediram o arquivamento do processo de improbidade administrativa”. E completou: “Temos o cheiro podre do protecionismo entre os poderes, tão relatado nas esferas federais dos grandes escândalos”. Ainda, de acordo com a acusação, criou evento público intitulado “Audiência delegado Sandro Meinerz Tragédia Santa Maria”, no qual estimulava as pessoas a acompanhar a audiência de instrução.

Entre outros argumentos, a defesa do réu alegou que em nenhum momento ele imputou aos promotores a prática de crime, se limitando a questionar o porquê de existirem provas e nada ser feito contra os fiscais. E que, no seu ponto de vista, apenas externou seu sofrimento e indignação, falando em âmbito nacional.

Em depoimento, o promotor Joel de Oliveira Dutra disse que acabou ficando magoado quando suas filhas chegaram em casa (um ou dois dias após o artigo escrito pelo réu), o questionando sobre o que “ele tinha feito”, porque as pessoas estavam lhe acusando de ser corrupto. Reiterou que se sentiu bastante ofendido e atacado porque é promotor de Justiça há 20 anos e nunca se portou de modo que fosse contra sua consciência. E que não poderia suportar, em nome de uma dor, que espalhem inverdades a respeito de sua honra.

Os promotores disseram que durante todo o tempo, sempre se reuniam com os pais da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes de Santa Maria para manter clareza em relação ao caso.

Decisão

O juiz Leandro Sassi considerou que, embora a acusação alegue que Paulo caluniou os promotores, apontando que teriam praticado delito de prevaricação, se trata apenas de uma mera crítica quanto à atuação dos membros do Ministério Público. “Aliás, trazida apenas nos dois primeiros parágrafos do texto publicado no jornal, o acusado Paulo limitou-se a questionar suas atuações no processo, referindo que, em seu entender, deveriam ter os promotores maior determinação na produção da prova e apuração das responsabilidades pela tragédia, mas em nenhum momento indica que tenham feito isto para satisfazer qualquer interesse pessoal escuso”, asseverou.

Na avaliação do magistrado, o delito de calúnia não se satisfaz com declaração infeliz, colérica ou leviana, sendo aceita somente a declaração conscientemente falsa. No mesmo sentido, o magistrado também absolveu o réu da acusação da prática de difamação.

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