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Paixões das ruas não podem influenciar Ministério Público, diz Janot

Rodrigo Janot

Procurador-geral da República comparou o momento atual brasileiro com a guerra civil dos Estados Unidos no século 19 e com a luta pelo fim do apartheid na África do Sul. (Foto: Reprodução)

Em uma carta divulgada ao Ministério Público nesta terça-feira (22) sobre a atual crise política do país, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu “apagar o brilho personalista da vaidade” e afirmou que “não podemos permitir que as paixões das ruas” influenciem a instituição.

No texto intitulado “União e Serenidade”, Janot comparou o momento atual brasileiro com a guerra civil dos Estados Unidos no século 19 e com a luta pelo fim do apartheid na África do Sul.

“Há muitos anos o país não atravessa uma crise tão aguda e grave como a que vivemos nestes dias difíceis”, escreveu.

Sem citar diretamente a Operação Lava-Jato, Janot faz críticas ao “messianismo”, a “cizânias personalistas” e “arroubos das idiossincrasias individuais”.

“Se chegamos, agora, ao ponto culminante do enfrentamento desse mal que assola nossos governos, atingindo o sistema nervoso central da corrupção, isso não se deve a iniciativas individuais, ao messianismo ou ao voluntarismo, mas ao conjunto de experiências e conhecimentos acumulados coletivamente ao longo de anos de labuta, de erros e de acertos”, diz a carta.

Ao defender as instituições, o procurador-geral escreve que “o Ministério Público não tem ideologia nem partido, de modo que nosso único guia deve encontrar-se no texto da Constituição da República e nas leis”.

E completa afirmando que não se pode permitir “que as paixões das ruas encontrem guarida entre as nossas hostes” e que é necessário ficarem “alheios aos interesses da política partidária”.

“Se não compreendermos isso, estaremos não só insuflando os sentimentos desordenados que fermentam as paixões do povo, como também traindo a nossa missão e a nossa própria essência”, diz Janot.

Apesar de defender que deve haver um “combate incessante à corrupção, seja onde for e doa a quem doer”, Janot ressalta que “há de se preservar sempre as instituições”.

A fala ocorre em meio às investigações chegando ao ex-presidente Lula, à presidenta Dilma Rousseff e a líderes da oposição como o senador Aécio Neves (MG), presidente do PSDB.

No único trecho em que cita nominalmente a Operação Lava-Jato, o procurador-geral da República afirma que a investigação “certamente não salvará o Brasil (…). No entanto, esse belo trabalho – estou convicto disso – tem as condições necessárias para alavancar nossa democracia para um novo e mais elevado patamar”.

Isso só ocorrerá, porém, afirma Janot, “se, e somente se, soubermos manter a união, a lealdade institucional, o respeito à Constituição”.

“Devemos apagar o brilho personalista da vaidade para fazer brilhar o valor do coletivo, densificando a institucionalidade dentro da nossa casa e, consequentemente, no país”, diz.

COMPARAÇÕES

Janot abre o texto citando frase do ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln, de 1863: “Encontramo-nos atualmente empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se essa nação, ou qualquer outra nação assim concebida e consagrada, poderá perdurar”.

Ao lembrar do exemplo norte-americano, o procurador-geral escreve que, a despeito da guerra, o país “deveria sobreviver ou não haveria verdadeira vitória” e que não poderia haver “fratura irreconciliável entre os irmãos americanos”.

Já sobre a África do Sul, Janot cita o líder Nelson Mandela, sua luta pelo fim do apartheid e a postura que assumiu após chegar ao poder.

“Muitos dos companheiros que compartilharam da sua luta acreditavam que, com a sua assunção ao poder, era a hora da revanche contra os que, por tantos anos, injustamente os oprimiram. Mas Mandela foi um gigante em humanidade e sabedoria. Ao contrário do que se poderia esperar de um homem tão brutalmente injustiçado, ele decidiu seguir por um caminho que não levasse o seu país a se desintegrar em uma guerra fratricida”, escreveu o procurador-geral da República.

Também encerra sua carta com uma referência a outra personalidade histórica, o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill.

Janot parafraseia o britânico e diz, ao fim do texto, que deseja que haja a convicção de que “se o Ministério Público brasileiro durar mil anos, possam os homens dizer de nós: ‘Este foi o seu melhor momento'”. (Márcio Falcão e Aguirre Talento/Folhapress)

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