Ícone do site Jornal O Sul

Palmada afeta o cérebro de maneira semelhante a abusos físicos mais severos

Esse tipo de violência contra crianças aumenta o risco de transtornos de ansiedade. (Foto: Reprodução)

As palmadas afetam o desenvolvimento do cérebro de uma criança de maneiras semelhantes a formas mais severas de violência, aponta um novo estudo da Universidade de Harvard. A pesquisa se baseia em resultados de exames que mostram a intensificação da atividade de determinadas regiões do cérebro de crianças levam palmadas em resposta a sinais de ameaça, o que ocorre em menor grau nos pequenos que nunca apanharam. Foram analisados dados de 147 crianças entre 10 e 11 anos que recebiam palmadas com frequência, mas não eram vítimas de violências mais severas.

Nos testes realizados pelos pesquisadores, as crianças ficavam deitadas em uma máquina de ressonância magnética enquanto assistiam a um vídeo com os rostos de atores com expressões “neutras” e “de medo”. Um scanner capturou a atividade cerebral da criança em resposta a cada tipo de rosto, e essas imagens foram analisadas para determinar se as expressões geravam padrões diferentes de atividade cerebral em crianças que recebiam palmadas em comparação com aquelas que não apanhavam.

Os pesquisadores descobriram que crianças que já levaram palmadas tem uma resposta neural maior ao ver as expressões de “medo” em várias regiões do córtex pré-frontal, área que responde a estímulos do ambiente, como uma ameaça, e afeta a tomada de decisões. Isso não ocorre nos pequenos que nunca apanharam. A neuropsicóloga Deborah Moss, mestre em Psicologia do Desenvolvimento (USP), explica que uma alteração na atividade do córtex pré-frontal pode desorganizar uma pessoa do ponto de vista neurológico. “Essa região que fica na parte interna da testa é responsável pelo autocontrole, atenção, concentração, crítica, memória… Uma mudança no funcionamento dessa área em crianças em fase de desenvolvimento e amadurecimento pode ter consequências duradouras”, diz.

De acordo com os autores do estudo, os castigos corporais na infância, em menor ou maior grau, estão associados a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, dificuldades comportamentais e abuso de substâncias. Os resultados estão de acordo com pesquisas semelhantes realizadas em crianças que sofreram violências graves, sugerindo que “em termos de como o cérebro de uma criança responde, a palmada não é tão diferente do abuso físico”, disse, em nota, a pesquisadora e uma das autoras do estudo Kate McLaughlin, do Departamento de Psicologia de Harvard. “É mais uma diferença de intensidade do que de categoria. É importante, porém, ressaltar que a palmada não afeta todas as crianças da mesma forma. Algumas são mais resilientes a adversidades. A conclusão é que a palmada aumenta o risco de problemas de desenvolvimento para a criança e, seguindo o princípio da precaução, pais e os legisladores devem trabalhar para tentar reduzir sua prevalência.”

Para a neuropsicóloga Deborah Moss, além dos efeitos no cérebro da criança, a palmada é contraproducente como ferramenta disciplinar. “A palmada é o uso da força para conter um determinado comportamento pelo medo. Muitas vezes a criança nem associa a violência sofrida ao que fez ‘de errado’. Acaba passando a mensagem de que a agressão é a maneira de resolver conflitos. É uma incoerência proibir o filho ou filha de bater nos colegas ou no irmãozinho quando os pais mesmo dão palmadas. Os adultos são os exemplos e devem mostrar como é possível resolver desavenças sem violência”, explica a neuropsicóloga.

Sair da versão mobile