O número de ações protocoladas por partidos políticos no Supremo Tribunal Federal (STF) quadruplicou desde 2003, saltando de 472 entre 1989 e 2002 para 1.892 até junho deste ano.
O avanço transformou o Supremo em uma arena central das principais disputas institucionais recentes, com siglas acionando a Corte para barrar o decreto de Lula que elevou o IOF e para contestar o modelo das emendas parlamentares. O uso do Supremo como “atalho político” também expõe o Tribunal a críticas, sobretudo pelo excesso de decisões individuais e por interpretações que, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estadão, muitas vezes extrapolam os limites constitucionais.
O levantamento considerou os principais tipos de ações utilizadas pelos partidos para acionar o Supremo, incluindo pedidos para derrubar atos do governo considerados inconstitucionais, como os que contestaram os decretos de Jair Bolsonaro sobre armas de fogo.
Também entraram na conta ações motivadas por omissão de outros Poderes e aquelas voltadas contra decisões ou leis aprovadas pelo próprio Congresso, como a apresentada por partidos para questionar a decisão da Câmara dos Deputados que suspendeu a tramitação da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), investigado por suposta participação na tentativa de golpe de Estado.
Para a pesquisadora e professora da ESPM-SP Ana Laura Barbosa, o fenômeno está relacionado tanto ao desenho institucional da Constituição, que amplia o acesso dos partidos ao Supremo, quanto ao avanço da polarização política, que intensificou os conflitos entre legendas e Poderes. “A dificuldade das siglas em construir consensos no Congresso tem levado as disputas para o STF, consolidando a Corte como uma arena decisiva para a resolução desses impasses”, afirma.
Um exemplo recente desse embate foi o caso do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Após o STF considerar inconstitucional a tese que restringia os direitos territoriais à data da promulgação da Constituição de 1988, o Congresso reagiu com a aprovação de uma nova lei restabelecendo esse critério. Mesmo após o veto presidencial, o Legislativo derrubou a decisão de Lula e promulgou a norma no fim de 2023. O impasse gerou uma nova rodada de ações no Supremo: partidos da base governista contestaram a lei, enquanto legendas da oposição recorreram para garantir sua validade.
Esse episódio exemplifica uma tendência mais ampla de judicialização por parte dos partidos. No governo Lula III, as siglas que mais recorreram ao STF foram o PSOL, com 37 ações, seguido por PT (35), PSB (22), PL (18), PCdoB (16), Novo (14) e PSDB (9). Entre os casos mais recentes estão os pedidos de deputados do PL e do Novo para suspender o decreto do IOF e as ações da base governista que pedem a adoção de tornozeleira eletrônica contra Bolsonaro.
O PSOL, por exemplo, mesmo com apenas 13 deputados federais, foi ao Supremo questionar a distribuição das emendas parlamentares.
Na avaliação do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), o uso do Supremo como instância de contestação por partidos é legítimo e faz parte do próprio desenho institucional da Constituição.
Para o parlamentar, recorrer ao STF é “legal, legítimo e constitucional”, sobretudo em casos de violações graves ao texto constitucional. Alencar afirma que o Supremo, como guardião da Constituição, deve ser acionado sempre que houver entendimento de que houve “burla ou ofensa à regra constitucional”.
Ele também rejeita as críticas à chamada judicialização da política e argumenta que o Tribunal foi concebido justamente para exercer esse papel de árbitro constitucional. “Esse papo de judicialização da política é uma compreensão errada do que é a própria política”, afirma.
Na outra ponta, o líder da oposição na Câmara, deputado Zucco (PL-RS), vê o Supremo como uma espécie de “poder político paralelo”, acionado de forma recorrente por partidos sempre que se veem em desvantagem no Parlamento. Para o deputado, o movimento alimenta um ativismo judicial que desequilibra os Poderes e afronta a autonomia do Legislativo.
“Esse tipo de distorção, sobretudo feita por partidos da esquerda, gera insegurança jurídica e mina a confiança da população nas instituições. O Judiciário existe para aplicar a lei, não para substituir a vontade do povo ou se tornar um ator político privilegiado”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.