Escândalos como o do Banco Master e das Lojas Americanas são “sinais de alerta” de que o modelo regulatório dos mercados financeiro e de capitais está “cada vez mais defasado, gerando lacunas de supervisão”, disse ao jornal Valor Econômico o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto, que deixará o governo no final do ano.
Ele defendeu, sem sucesso, a adoção de um modelo chamado “twin peaks”, em que haveria um órgão encarregado de fazer uma supervisão prudencial e um outro para cuidar da conduta de mercado. O projeto acabou misturado com o debate sobre a autonomia do Banco Central e não avançou, comentou.
O que é um contraste em relação às reformas realizadas nos últimos três anos, como o Desenrola, o marco de garantias, o consignado do trabalhador, disse. São medidas que ajudam a reduzir o custo do crédito. Apesar de a Selic estar em nível elevado, o que deve objeto de atenção, há espaço para reduzir o spread, hoje na casa de 20%, apontou.
As reformas financeiras são uma das frentes da secretaria, criada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para tratar de dois temas: a baixa produtividade da economia e a alta desigualdade. A reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que teve a secretaria na linha de frente, atende aos dois objetivos: taxa as pessoas de alta renda e favorece a produtividade ao tributar os dividendos, afirmou.
A corrida pela distribuição dos dividendos que se vê neste ano, numa tentativa de driblar a nova taxação, é natural e esperada, disse o secretário.
Arrumando as malas para deixar Brasília, Pinto disse que ainda não está decidido quem o sucederá. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
– O que foi feito de reformas econômicas nos últimos três anos? O que ficou faltando? “As diretrizes da secretaria partiam de dois diagnósticos: que precisamos elevar a produtividade e que precisamos combater a desigualdade. A produtividade está praticamente estagnada no Brasil há alguns anos, exceto no agro. E somos um dos países mais desiguais do mundo, o que compromete a produtividade, bem como a segurança pública. Por isso um dos primeiros projetos nossos foi o Pé de Meia. Construímos junto com o MEC.”
– E a reforma do Imposto de Renda? “Falamos pouco sobre como melhora a produtividade. Estudos empíricos mostram que tributar dividendos aumenta o investimento na economia. Por uma razão simples: a empresa tem um incentivo para reter os lucros e, com isso, diferir a tributação para o acionista. E o que ela faz com os lucros dela, se não investir no próprio negócio? É algo que deve melhorar bastante a produtividade nos próximos anos. E se soma à reforma da tributação do consumo, da qual a Secretaria também participou. O FMI estima que vamos aumentar o PIB brasileiro em 10% quando a reforma estiver totalmente implementada. E a principal razão disso é que deixaremos de tributar investimentos.”
– E as reformas no mercado de crédito? “É uma lista bem grande. O objetivo foi reduzir o custo de crédito, o que produz dois efeitos. O primeiro é melhorar a distribuição de renda, porque o juro alto é concentrador. Juros mais baixos são também um grande motor para termos mais investimento.”
– Quais dessas reformas destacaria? “Fizemos o Desenrola, que além de fazer a renegociação das dívidas, permitiu criar uma estrutura para novas rodadas. Teve o marco das garantias, com impacto muito grande em financiamento de veículos e no crédito imobiliário com garantia. Teve a utilização dos fundos de previdência como garantia. Teve uma mudança que se falou pouco, mas que é muito importante, que é o regime legal de juros.”
– E o que ficou faltando aprovar no Congresso Nacional? “Falta aprovar a lei de infraestrutura do mercado financeiro, a lei de proteção dos investidores do mercado de capitais e a lei de falências, todas já aprovadas na Câmara. Falta a lei de resolução bancária, que continua na Câmara. E a lei das big techs, que é mais recente e só teve o relator designado.”
– O sr. tinha a pauta do ‘twin peaks’, mas acabou não avançando. Por quê? “Eu acho que precisamos atualizar nosso modelo de regulação. Infelizmente, a pauta do ‘twin peaks’ não conseguiu avançar, se misturou um pouco com a pauta da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de autonomia do Banco Central. Mas é uma discussão importantíssima para o país no longo prazo. Nosso modelo regulatório está ficando cada vez mais defasado, está gerando lacunas de supervisão e está ficando cada vez menos capaz, menos adequado para cumprir seus objetivos. Acho que o ‘twin peaks’ nos permitiria também fortalecer os dois órgãos que vão ficar à frente do mercado de capitais e do mercado financeiro. Fortalecer no sentido de ter recursos adequados para cumprir suas funções, e ter objetivos claros de atuação.”
– Que problemas podemos ter, sem a reforma na regulação? “E o que eu vejo hoje no Brasil são lacunas que podem se tornar relevantes no futuro, na regulação prudencial. Podemos ter estruturas que hoje estão sob supervisão de outros órgãos fazendo função quase bancária. Exemplo claro disso – que ainda não acontece, mas pode acontecer – são os fundos de investimento.”
– Nos últimos três anos, tivemos dois casos rumorosos. Um no mercado de capitais, o das Americanas, e agora um caso mais recente no sistema financeiro, do Banco Master. Já são sinais de que o nosso sistema está defasado? “São sinais de alerta muito importantes. Fizemos um trabalho muito bom de reforma, mas não podemos ficar de salto alto e achar que está tudo bem. Esse tipo de problema gigante tem um efeito contágio. A solidez do nosso mercado impediu esse efeito nesses casos. Mas se eles começam a se multiplicar, podemos ter problema para o mercado como um todo. E é, sim, preocupante.”
– Como o ‘twin peaks’ atuaria nesses casos, se já existisse? “Os problemas estão acontecendo, sobretudo, em um dos aspectos que ficariam sob o órgão de conduta, que é o de integridade do mercado: prevenção e combate à lavagem de dinheiro, fraudes contábeis, denúncias de operações fraudulentas destinadas a induzir investidores a erro.” As informações são do jornal Valor Econômico.
