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Por que as pessoas estão desaprendendo a falar: a praga dos emojis!

Vivemos tempos em que as pessoas já não se comunicam com palavras. Cada vez mais substituímos palavras e frases por sinais, fotos, monossílabos, onomatopeias, desenhos, grunhidos…

Aliás, nem mesmo mais falamos por telefone. Agora é tudo por uats e por mensagens gravadas. Chega-se ao ridículo de uma pessoa gravar mensagem, a outra responde por mensagem gravada, a outra replica e assim por diante. Pergunto: não seria mais fácil se falarem por telefone, ligando um para o outro?

No fundo, buscamos uma volta às cartografias pré-explicativas do mundo do sujeito que antecede a modernidade. Queremos aprisionar o mundo em frases, sinais e proposições. Veja-se que o antídoto para essa empreitada fadada ao fracasso está mais ao alcance do que se imagina, e é mais antigo do que pode parecer quando consideramos que ainda se insiste em aprisionar o mundo mesmo após o giro ontológico-linguístico: Jonathan Swift, que sequer foi o primeiro a oferece-lo, já nos havia o disponibilizado em 1726.

Ou seja, há 291 anos, as viagens de Lemuel Gulliver, capitão de uma série de navios, a diversas nações remotas do mundo (em referência ao título completo original da obra), já nos antecipavam que… não se pode fazer enunciados assertóricos.

É em Lagado, capital da nação de Balnibarbi, que Gulliver encontra a Academia de Projetistas. Entre seus diversos projetos, destaco, aqui, uma de suas salas, na qual os sábios locais discutiam as possibilidades de se simplificar a linguagem. Era um consenso em Balnibarbi que o discurso, além de complexo, fazia mal à saúde — afinal, o simples ato de falar poderia, a longo prazo, trazer malefícios aos pulmões e, consequentemente, diminuir a expectativa de vida da população.

Trabalhando a partir dessa lógica, um dos professores sugeria que todas as palavras, especialmente as longas, fossem suprimidas, de forma que comunicássemo-nos apenas através de sílabas. A solução não agradou a todos: outro acadêmico de Lagado sugeria que a empreitada fosse mais além, abolindo as palavras de uma vez por todas. Em vez de palavras — essas coisinhas tão inconvenientes, que variam de idioma para idioma —, usássemos… objetos. Se eu pretendo falar de um livro, diz o professor, por que não mostrar um livro? Livro, libro, book, Buch, livre… objetificar a palavra é muito mais simples. Arrisco-me a dizer que Swift já antecipava, na Academia de Lagado, os emojis.

Como falei no inicio, hoje as pessoas cada vez falam menos. E escrevem também menos. Usam monossílabos. Figuras. Enfim, a comunicação via emojis. É o mundo representado por proposições.

Brincadeiras metafóricas à parte e voltando a Swift, diante da proposta simplificadora do professor descontente com a complexidade da linguagem, Gulliver oferece, de pronto, sua réplica: objetificar as palavras nos obrigaria à impossível tarefa de carregar conosco todos os objetos o tempo todo.

Comparo o radical professor de Lagado a Crátilo, discípulo de Heráclito. Crátilo acreditava na perfeição das palavras, por acreditar que os nomes tinham origens divinas — o que os tornaria necessariamente corretos. Sócrates, porém, traz à sua atenção a imperfeição de várias palavras, incapazes de capturar verdadeiramente os objetos que pretendiam significar. O descontentamento de Crátilo com isso que, para ele, significava uma verdadeira ausência de estabilidade do mundo, o levou a defender que não mais falássemos, mas apenas levantássemos um dedo quando desejássemos nos expressar. Ignorando Sócrates e Gulliver, o professor de Lagado que repetiu Crátilo… é repetido pela malta por aí. No face, no uats….Estamos lascados.

Ah: isso que eu disse acima não dá para passar por imagens e emojis. Sou das antigas.

 

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