Fazer o luto de um amor hoje é exponencialmente mais difícil do que há 20 anos. O romantismo de chorar de roupão vendo comédias românticas de Nora Ephron, devorar um pote de sorvete, rasgar fotos e apagar números de telefone não desapareceu, mas ganhou um novo obstáculo: a presença quase constante da pessoa em questão nas redes sociais. Chorar a perda amorosa pode ser perturbador quando, para conseguir um pouco de paz, é preciso silenciar ou até bloquear no Instagram, LinkedIn, WhatsApp, TikTok, Spotify – e sabe-se lá em quantas outras plataformas – alguém que até pouco tempo atrás era um pilar da vida cotidiana.
Sob a promessa de atalhos e conexão, as redes sociais acabam funcionando como uma espécie de tortura masoquista durante o luto: cada foto, cada menção, cada curtida, qualquer registro audiovisual se torna um microlembrete da perda.
No livro “Alone Together” (2011), Sherry Turkle, psicóloga especialista em vínculos, argumenta que nossas vidas afetivas tornaram-se inseparáveis dos ambientes virtuais, intermediando cada relação do início ao fim. Uma das consequências dessa hiperconexão é, paradoxalmente, o isolamento.
Segundo Turkle, estamos tão ocupados nos comunicando por meios digitais que negligenciamos a qualidade das interações humanas e ficamos menos preparados para lidar com as exigências emocionais dos relacionamentos reais – incluindo a experiência de terminar um.
Valentina Agüero Vera, psicóloga especialista em análise do comportamento do Centro Integral de Saúde Mental Argentino (CISMA), explica que acompanhar conteúdos de um ex torna o processo de superação mais complicado e demorado, independentemente dos motivos da separação.
“É como um estímulo condicionado que reativa a conduta de busca, já que o amor dificilmente desaparece de um dia para o outro, facilitando o impulso de se aproximar e querer saber da outra pessoa”, afirma. “Essa exposição constante funciona como uma adição comportamental, sustentada pela incerteza sobre o que vamos encontrar e que reação isso vai provocar: alívio, angústia, nostalgia. É um circuito de recompensa comparável ao de um consumo problemático de substâncias.”
Sabina Alcarraz, psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental, concorda: “As redes funcionam como uma espécie de droga emocional. Normaliza-se ver o máximo possível de posts, stories e status de um ex, e isso gera uma dependência que ativa, em nível neuronal, o sistema de prazer imediato associado à dopamina”, diz ela. “Como no consumo de uma substância psicoativa, a pessoa sente que não consegue parar, que precisa daquele choque, ainda que depois se sinta pior.”
Do ponto de vista emocional, Alcarraz observa que o contato pelas redes intensifica sentimentos típicos de uma ruptura – tristeza, angústia, frustração e raiva – e, muitas vezes, gera idealização do outro.
“Com tudo isso, chegar à última fase do luto, a aceitação, torna-se muito mais difícil”, explica a psicóloga.
Ela também menciona o surgimento de pensamentos obsessivos e de crenças limitantes.
“Acompanhar a vida da outra pessoa se torna uma obsessão e os pensamentos invasivos, como acreditar que a culpa foi nossa, que fizemos tudo errado, que vamos ficar sozinhos para sempre, passam a ser regra”, explica.
Na mesma linha, Agüero Vera destaca que ver o outro seguir adiante, ainda que apenas pela interpretação de sua atividade online, contraria a expectativa de reciprocidade emocional e gera sofrimento.
“Custa aceitar que o que para nós ainda é significativo talvez para o outro já não seja, e isso ativa pensamentos de perda de valor pessoal”, diz ela.
Esses mecanismos, somados, produzem uma ansiedade constante, difícil de controlar, que pode afetar funções cognitivas superiores, como memória, concentração e atenção – com impacto direto no desempenho diário, acrescenta Alcarraz.
O contato virtual se equipara ao físico e pode dificultar da mesma forma o fechamento emocional. Nisso, as especialistas são unânimes.
“A resposta emocional aos estímulos pode ser tão intensa quanto diante de um contato real”, afirma Agüero Vera. Ainda que ilusório, há uma sensação de proximidade que distorce a realidade: a de que a relação já terminou, complementa Alcarraz.
As duas concordam que reduzir esse contato digital, longe de ser negação, é uma forma de facilitar a aceitação, eliminando situações que reativam a esperança ou o sofrimento.
“Diante de um término, a recomendação é sempre o contato zero”, defende Alcarraz.
Na era digital, isso significa, além de guardar fotos e objetos pessoais, deixar de seguir, bloquear ou silenciar a pessoa – ainda que temporariamente –, distanciar-se de sua comunidade, apagar o número de telefone e evitar responder mensagens.
Para lidar com a necessidade de expressão, quase inevitável durante o luto, Alcarraz sugere escrever sem enviar.
“Redija um e-mail e salve nos rascunhos. Não mande. Coloque para fora tudo o que precisar, o positivo e o negativo. Transformar em palavras ajuda a dar um fechamento, especialmente quando, por um motivo ou outro, isso não aconteceu presencialmente”, diz ela.
“Se o que se busca é alcançar um nível maior de aceitação e bem-estar, a ideia é se comportar como se isso já tivesse sido conquistado e parar de lutar para mudar a realidade”, conclui Agüero Vera. As informações são do jornal La Nación.