A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa demorou semanas para atingir o número mínimo de assinaturas para começar a tramitar na Câmara, mas o apoio à proposta já começou a minguar. Dos 171 deputados que haviam se comprometido com o texto, ao menos dez já pediram que seus nomes fossem retirados, pressionados por entidades de servidores públicos que divulgaram seus nomes na internet e por manifestações públicas em frente ao Congresso Nacional em que acusam o Legislativo de compactuar com a “demolição do Estado brasileiro”.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem tentado transformar a reforma administrativa numa marca de sua gestão, e foi a pedido dele que muitos parlamentares assinaram a PEC. Uma vez que o apoio mínimo foi alcançado, a retirada dos nomes não a impede de tramitar, mas indica que as chances de aprovação são baixas. Para ser aprovada, uma PEC precisa de ao menos 308 votos em plenário.
O timing para a discussão da proposta, a menos de um ano das eleições, não é favorável. Historicamente, reformas são impopulares e, portanto, são mais facilmente aprovadas no início da legislatura, quando deputados e senadores acabaram de ter os mandatos renovados pelas urnas.
A atitude dúbia do governo também não ajuda. Embora não tenha se colocado frontalmente contra o texto, a ministra da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, tampouco deu amparo a ele. O relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), reconheceu que, sem apoio do governo, ela não será aprovada. Já a bancada do PT na Câmara foi taxativa e disse, em nota, que a proposta tem viés “fiscalista e punitivo” e “pouco ou nada se relaciona” com o objetivo de tornar o Estado mais eficiente.
Juízes, procuradores e defensores públicos também têm feito um corpo a corpo com os parlamentares para convencê-los a rever suas posições. A preocupação, por óbvio, é com a defesa de seus penduricalhos, que inflam suas remunerações e fazem com que seus salários superem o teto de R$ 46.366,19, pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e de privilégios como verbas indenizatórias pagas com efeito retroativo, férias de 60 dias e aposentadoria compulsória como punição por faltas graves cometidas por juízes.
Uma série de reportagens e vídeos publicados pelo Estadão mostra os avanços que o texto propunha. A reforma não acaba com a estabilidade do servidor público, mas os novos funcionários públicos teriam de passar por um estágio probatório de até três anos antes de conquistá-la. Haveria limitação para contratação de comissionados e temporários pela União, Estados e municípios. A progressão da carreira seria mais longa e dependeria de avaliação de desempenho, e não somente por tempo de serviço.
A proposta não é perfeita e tem seus equívocos, mas todos eles poderiam ser aprimorados pelos deputados ao longo da tramitação. Um dos principais é o pagamento de 14º salário para servidores que cumprirem metas de desempenho. A maioria dos municípios brasileiros não tem caixa para esse tipo de pagamento extra e quebraria se tivesse de arcar com mais esse gasto.
Mas tudo indica que a reforma administrativa subiu no telhado, o que é uma pena. O relator parece ter subestimado o poder dos lobbies ao tentar alcançar servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como o funcionalismo público da União, de Estados e municípios. Foi uma estratégia tão ambiciosa quanto arriscada, pois acabou por facilitar a união de grupos que se opõem à proposta por razões muito diferentes.
A esta altura, não se deve esperar muito do Congresso. Os deputados acabaram de aprovar um programa que estabelece um incentivo de até R$ 15 bilhões para a indústria química e reduz as alíquotas de PIS e Cofins pagas pelo setor. Por outro lado, a Câmara rejeitou o estabelecimento de controle de fluxo para os gastos com o seguro-defeso, benefício pago a pescadores artesanais no período da piracema, o que fará com que o governo seja obrigado a pagá-lo mesmo que o valor orçado para o programa tenha sido excedido. Aprovar uma reforma administrativa, portanto, não parece crível. (Opinião de O Estado de S. Paulo)
