Um pequeno banco privado controlado por um recluso bilionário brasileiro aparece mais de duas dúzias de vezes nas acusações de corrupção dos promotores dos Estados Unidos contra autoridades do futebol mundial. Não é o primeiro contato do banco com escândalos.
O Delta National Bank Trust Co., criado nos anos 1980 por Aloysio de Andrade Faria, 94 anos, teve pelo menos três desentendimentos anteriores com autoridades em dois continentes nos últimos 15 anos, incluindo quando o Congresso brasileiro investigou seu papel como banqueiro de um dirigente do futebol nacional afetado por um escândalo. Em 2003, o Delta declarou-se culpado nos EUA por não informar transações ligadas a um cartel de drogas colombiano.
Mesmo assim, o Delta, com 467 milhões de dólares em ativos nos EUA, manteve operações em seus escritórios no país norte-americano e na Suíça. Parte desses negócios, afirmaram promotores dos EUA na semana passada, incluía o processamento de milhões de dólares em pagamentos de propinas de uma empresa de marketing esportivo com sede em São Paulo para dirigentes do futebol afiliados à Fifa (entidade máxima do futebol). O Delta não foi apontado como réu, nem culpado de nenhuma irregularidade em uma lista de 47 acusações divulgada pelo Departamento de Justiça norte-americano.
A reguladora do Delta nos EUA, o OCC (Escritório do Controlador da Moeda, na sigla em inglês), agora está investigando a participação do banco nessas transações, segundo uma fonte com conhecimento do assunto, que pediu anonimato porque a investigação está em andamento. Linda Chapman, vice-presidente da Delta no comando do compliance, preferiu não comentar.
A mais recente apuração do Delta surge após mais de uma década de alertas sobre seus negócios, conforme uma análise de ações judiciais, documentos regulatórios e relatórios que registram as investigações do governo. Não está claro como o banco pode ter mudado seus programas de relatórios ou compliance ao longo desse período, inclusive após a condenação do Departamento de Justiça dos EUA, há 12 anos. O OCC não impôs mais penalidades ao banco e permitiu que a empresa continuasse fazendo negócios nos Estados Unidos.
Em alguns momentos, as supostas propinas da Fifa foram transferidas pelo Delta por meio de bancos maiores como Citigroup Inc. e JPMorgan Chase Co., segundo o processo do Departamento de Justiça dos EUA. Os promotores norte-americanos investigam bancos como parte de sua indagação sobre a corrupção na Fifa, mas não forneceram nomes de instituições específicas.
O Citigroup e o JPMorgan não são os únicos bancos que tiveram relações com o Delta. Em uma década, o banco transferiu dezenas de milhões de dólares em nome da Traffic Group, a empresa brasileira de marketing esportivo, por meio desses bancos e do HSBC Holdings Plc, do Wells Fargo Co. e do Banco do Brasil SA.
Porta-vozes do Citigroup, do JPMorgan, do Wells Fargo e da Traffic Group preferiram não comentar, e o Banco do Brasil não respondeu aos pedidos de explicação. O HSBC está analisando a acusação contra a Fifa.
O criador do Delta, Aloysio de Andrade Faria, é um bilionário com afinidade pela criação de vacas leiteiras premiadas e cavalos árabes. Com uma reputação entre os veículos de comunicação brasileiros de raramente conceder entrevistas, Faria construiu um império empresarial que inclui o Banco Alfa de Investimento SA, com sede em São Paulo, hotéis, uma produtora de azeite de dendê e uma rede de lojas de materiais de construção. Em 1998, ele vendeu um banco fundado por seu pai por 2,1 bilhões de dólares.
Os negócios do Delta se baseavam “inteiramente” em ajudar clientes latino-americanos a reduzirem seus impostos, disse o OCC em um relatório, em 1996. Faria manteve laços com o Delta por meio de uma empresa de investimentos nas Ilhas Cayman, segundo um documento recente do banco central norte-americano e um ex-funcionário. Faria não foi encontrado para comentar, e a porta-voz do Banco Alfa preferiu não se manifestar.
A maior mancha do Delta veio em 2003, quando o Departamento de Justiça dos EUA o acusou de permitir que traficantes de drogas colombianos lavassem dinheiro por meio de suas contas no banco. Após ser condenado por não apresentar relatórios das atividades suspeitas sobre transações de até 10 milhões de dólares, o Delta concordou em pagar uma multa de 950 mil dólares.
Investigações brasileiras
Em 2008, promotores brasileiros buscaram ajuda do Departamento de Justiça dos EUA para investigar um dos clientes do Delta a respeito de supostos crimes tributários e de lavagem de dinheiro. Em 2001, uma investigação do Senado brasileiro concluiu que as operações do futebol no País estavam assoladas pela corrupção. Boa parte dela foi concentrada no então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Teixeira. O Delta gerenciou dezenas de milhões de dólares em empréstimos para Teixeira e para a CBF, o que levou a questionamentos dos investigadores, de acordo com o relatório do Senado. (Jesse Hamilton, Alan Katz e Silla Brush/Bloomberg News/UOL)
