A nata do Judiciário se parece cada vez mais com um clube onde menina não entra. Cármen Lúcia deve continuar ocupando a única cadeira de ministra, mesmo com a saída de Luís Roberto Barroso. O alijamento da participação feminina no Supremo Tribunal Federal (STF) não tem impacto apenas visual, mas se reflete nas prioridades da pauta.
O processo sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, causa cara aos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, aguarda julgamento desde 2017. Defensores da bandeira se animaram com a notícia de que Barroso cogita votar no processo antes de sábado, 18, quando deixa a toga.
Em setembro de 2023, também dias antes de se aposentar, Rosa Weber votou pela descriminalização do aborto. A pauta se tornou ato de despedida de ministros progressistas – mas, internamente, não é considerada adequada para o debate em plenário.
Há dois anos, o julgamento foi adiado pelo pedido de vista de Barroso. Se votar agora, deve se alinhar à posição de Weber. O ministro não decidiu se vai se manifestar, mas já tem colega disposto a interromper de novo a votação.
Hoje, a perspectiva é de um placar apertado, com chance de maioria de votos contra o aborto. Essa conta de bastidor incentivou Barroso a deixar o processo adormecido nos dois anos que presidiu o Supremo.
Se sair do tribunal sem votar, o ministro entregará a vitória de bandeja à ala conservadora. A provável escolha de Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), para substituir Barroso promete somar ao placar um voto terrivelmente evangélico contra o aborto. Se Barroso votar, o sucessor dele fica impedido de participar do julgamento.
A falta de disposição para encarar esse debate é uma das consequências da formação de um Supremo essencialmente masculino. A baixa representatividade de mulheres, aliás, se estende a outros tribunais em Brasília. Das 92 cadeiras preenchidas hoje em Cortes superiores e no STF, as ministras detêm apenas 19, ou 20,6% do total.
Quanto mais alto o degrau do Judiciário, menos as magistradas são bem-vindas. Na primeira instância, as juízas ocupam 40,7% das vagas de titulares. Nos tribunais de segunda instância, 27% das cadeiras são de desembargadoras. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Verdade seja dita: tirando o STF, o presidente Lula ampliou as nomeações de mulheres para outros tribunais, como se fosse um prêmio de consolação para as excluídas do topo. Também para compensar a provável substituição de Barroso por Messias, Lula avalia dar o comando da AGU a uma mulher. Mas ainda não bateu o martelo. O lobby dos candidatos masculinos está maior. (Análise por Carolina Brígido, de O Estado de S. Paulo)