A Operação Lava-Jato voltou a se impor na agenda política do Brasil na quinta-feira (21) ao prender preventivamente Michel Temer. O segundo ex-presidente a dormir na cadeia na história do País é acusado de comandar uma “organização criminosa” que atuaria há 40 anos para desviar recursos públicos.
A decisão contra o emedebista partiu do juiz carioca Marcelo Bretas, um ex-colega e aliado do atual ministro da Justiça, Sérgio Moro. A detenção, alvo de um pedido de habeas corpus da defesa do ex-mandatário, é apenas o começo de mais um capítulo de embates entre procuradores e juízes da operação, a classe política tradicional no Congresso e o próprio STF (Supremo Tribunal Federal).
A nova rodada de incerteza para a elite política derrubou o humor dos investidores – o Ibovespa fechou com queda de 1,55% –, com os temores de que a já complicada tramitação da reforma da Previdência ganhe mais obstáculos. O problema é que a prisão do emedebista Temer, de auxiliares e de seu ex-ministro Wellington Moreira Franco, sogro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), escancarou de vez as contradições na base do Governo Bolsonaro no Congresso.
De um lado, ficaram os “novatos” no Parlamento, eleitos, ao lado do próprio presidente, na onda conservadora que surfou na indignação popular contra a corrupção e que apoia incondicionalmente a Lava-Jato. Do outro, a pejorativamente chamada “velha política”.
Neste grupo, a maioria de reeleitos, vários temem ser implicados em outros tentáculos da operação, além de se juntarem aos constitucionalistas que têm ressalvas aos métodos das investigações e aos embasamentos jurídicos usados para as detenções. O problema para Jair Bolsonaro é que, para aprovar a mudança constitucional nas aposentadorias, ele vai precisar de votos dos dois grupos.
Se não bastasse as divisões, há outra disputa em curso. Os novatos exaltam o ministro da Justiça, Sérgio Moro. Ex-juiz responsável pela Lava-Jato, Moro está em clara rota de colisão com Rodrigo Maia. Eles bateram boca publicamente na quarta-feira (20). O deputado criticou o pacote de leis anticrime enviado por Moro dizendo que ele não era prioridade e que a proposta era um “copia e cola” de outra proposição. Já o ministro disse que parte da classe política não entende a urgência do projeto. “Talvez alguns entendam que o combate ao crime pode ser adiado indefinidamente, mas o povo brasileiro não aguenta mais”, alfinetou Moro.
Viagem ao Chile
Em viagem oficial ao Chile, o presidente, possivelmente aliviado de ver o foco de atenção se descolar da pesquisa que mostrou sua queda de popularidade para o caso Temer, a princípio foi sóbrio: “A justiça nasceu para todos e cada um responde pelos seus atos”. Em seguida, fez uma avaliação mirando seus eleitores antissistema e alinhados à Lava-Jato. Afirmou que o seu antecessor foi detido por causa de “acordos políticos em nome da governabilidade”. “A governabilidade você não faz com esse tipo de acordo, você faz indicando pessoas sérias e competentes para integrar o seu governo. É assim que eu fiz no meu Governo, sem acordo político”, emendou, reforçando a retórica de campanha e provavelmente irritando ainda mais a outra ala de parlamentares que precisa conquistar.
Crise crônica
Na quinta-feira, no Congresso Nacional, as reações à prisão de Temer e do ex-ministro Moreira Franco deixaram nítido o desvio do foco. Um dia após o Governo Bolsonaro apresentar a parte da reforma da Previdência que restava, a dos militares, poucos falavam dela.
Quem fazia oposição a Temer e hoje faz a Bolsonaro – mas não só –, reclamava da prisão do ex-presidente, por considerarem que houve uma precipitação, já que ele deveria ser preso apenas após o julgamento de seu caso, e não preventivamente, sem nem mesmo colher o seu depoimento no processo.
“As coisas vão se precipitando pela notícia. Você imagina lá fora, o que vão pensar os investidores. Um impeachment em 2016. Que país é esse? Se tirou uma presidente, sem provas objetivas, se prendeu outro, sem provas objetivas, e agora, um ex-presidente preso dessa maneira”, avaliou o senador Jacques Wagner (PT-BA), ex-ministro de Dilma Rousseff e aliado do ex-presidente Lula, condenado e preso há quase um ano pela Lava-Jato.