A implantação dos juízes das garantias não é a única novidade do pacote anticrime que deve afetar a rotina de operações policiais como a Lava-Jato.
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no final de 2019, a lei também altera as regras das prisões preventivas (sem prazo determinado), um dos instrumentos mais polêmicos — e mais usados — da operação com origem no Paraná.
O pacote anticrime, que entrará em vigor no próximo dia 23, foi idealizado pelo ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça de Bolsonaro, mas sofreu modificações no Congresso, em parte avalizadas pelo presidente.
Moro manifestou discordância principalmente em relação à criação da figura dos juízes das garantias, magistrados que ficarão responsáveis pela fase de investigação de casos criminais na Justiça. A inclusão desse ponto foi interpretada como uma reação de congressistas ao hoje ministro, que para seus críticos extrapolou suas funções ao intervir em procedimentos da Lava Jato nas etapas investigativas.
A expressão que ressalta a necessidade de fatos “contemporâneos” não existia anteriormente no Código de Processo Penal, legislação que trata do assunto.
Na Lava-Jato, foi comum a decretação de prisões do tipo, antes mesmo que os alvos virassem réus, com base em depoimentos de delação sobre fatos ocorridos muitos anos antes. As delações da Odebrecht e da JBS, por exemplo, tratam em sua grande maioria de ilegalidades cometidas até a eleição de 2014.
Um dos principais exemplos de prisão decretada em decorrência de suspeitas antigas foi a ordem de detenção contra o ex-presidente Michel Temer (MDB), expedida pelo juiz federal Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, em março de 2019.
Desde 2014, primeiro ano da Lava-Jato, as ordens de prisão preventivas expedidas pelo então juiz Moro em Curitiba motivaram uma série de críticas de advogados e magistrados, como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
Foram dezenas de ordens do tipo aplicadas até 2018, quando o hoje ministro da Justiça deixou a magistratura.
Nos primeiros anos da operação, advogados dos suspeitos argumentavam que essas prisões eram decretadas para forçar confissões e acordos de delação.
Moro costumava citar entre seus argumentos para essas medidas um genérico risco à ordem pública, que podia ser baseado tanto na dissipação dos valores desviados quanto na possibilidade de o crime voltar a ser cometido, além da possibilidade de fuga e de prejuízo às investigações.
Deixaram a prisão provisória devido ao fechamento de compromissos de colaboração nomes como o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro delator da Lava-Jato, e Otávio Azevedo, ex-presidente da empreiteira Andrade Gutierrez, entre outros.
Para o professor de direito da USP Alamiro Velludo, que é advogado criminalista, a nova lei vai dificultar a decretação das prisões provisórias.
“Por exemplo: um acusado de fraude em um processo licitatório ou de irregularidades no governo, mas que não é mais agente político e que já deixou o cargo há alguns anos. Uma prisão cautelar numa situação como essa vai ficar muito mais difícil de ser justificada.”
Nos tribunais superiores, o teor antigo das suspeitas foi um argumento frequente para decretar a soltura de presos da Lava-Jato na primeira instância. Apesar da jurisprudência, não havia determinação em lei.
O professor Thiago Bottino, da Fundação Getulio Vargas do Rio, que também é advogado, afirma que esse novo ponto é importante porque reforça a necessidade de demonstrar melhor os motivos para uma medida tão extrema quanto uma prisão provisória.
“Talvez seja uma reação à Lava-Jato. Mas é uma reação importante, porque a Lava-Jato não tem só coisas boas. Claramente ali houve muitos excessos.”
Em documento encaminhado ao presidente Bolsonaro, no qual pedia que ele não sancionasse partes do pacote anticrime, a PGR (Procuradoria-Geral da República) criticou outro ponto sobre as ordens de prisão preventiva.