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Saiba por que o Brasil se transformou em um terreno fértil para a difusão de notícias falsas durante as eleições

A ação em questão foi aberta na Justiça Federal em São Paulo a pedido do Livres.(Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Com notícias falsas presentes nas eleições americanas em 2016 e relatos de que outros pleitos brasileiros já tinham se valido do método em campanhas – antes conhecido apenas como “boatos” -, era de se esperar que o fenômeno também afetaria as eleições de 2018 no Brasil. Mas não da maneira amplificada como ocorreu. Entenda os motivos.

“A gente vai precisar de muita DR (discussão de relação) depois da eleição”, diz Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, centro de pesquisas sobre direito e tecnologia no campo da internet. Para ele, fatores econômicos e políticos no Brasil contribuíram para o fenômeno – e a tecnologia foi apenas o cenário onde isso tudo aconteceu.

Sociedade, política e acesso à internet

Na visão de pesquisadores, a difusão de notícias falsas no Brasil é causada por fatores sociais e políticos, antes que tecnológicos.

“No mundo todo, passamos por um processo no qual as instituições que fazem a mediação da relação das pessoas com a busca da verdade, como a ciência e o jornalismo, estão numa crise”, observa Cruz, do InternetLab. “As novas tecnologias têm um papel de diversificar as fontes de informação das pessoas, que procuram outros tipos de produtores de informação – não só jornalística.”

Muitos acabam caindo, diz ele, em fontes de informação que produzem, na realidade, propaganda política – e acreditam nela e propagam o conteúdo por causa de sua posição dentro de uma sociedade extremamente polarizada.

Na sua visão, então, a crise das instituições de mediação se soma a uma divisão política muito agravada no Brasil desde 2013, ano das grandes manifestações no País, e em especial em 2014, quando novos atores surgiram: “uma nova safra de militantes de direita, mais massificados e organizados em rede”.

Acesso limitado à internet

Yasodora Córdova, pesquisadora da Digital Kennedy School e do First Draft News, de Harvard, elenca outros fatores sociais para a difusão de desinformação no Brasil: a falta de veículos de imprensa locais, a falta de bibliotecas e o acesso limitado à internet no Brasil.

“Não temos um mínimo de estrutura informacional online”, afirma. Além disso, “não temos veículos locais, mas temos uma tradição de fazer fofoca”. “A notícia sempre se espalhou no boca a boca. Ambiente perfeito pra migrar para o WhatsApp – que permite até áudio.”

Papel do WhatsApp

Com 120 milhões de usuários no País, o WhatsApp virou um importante campo de batalha durante a campanha, embora seu real impacto seja difícil de medir.

Por ser uma rede gratuita e oferecida amplamente no Brasil por operadoras que não descontam o uso da internet no WhatsApp do pacote de dados – ou seja, na prática, oferecendo acesso à internet só pela rede – ela adquiriu usos diferentes no País.

Segundo o WhatsApp, mais de 90% das mensagens enviadas na plataforma no Brasil são entre duas pessoas, e a maioria dos grupos tem cerca de seis pessoas.

Conforme definiu o jornal Washington Post em editorial no dia 25/10, o aplicativo não é só um de mensagens privadas, é, assim como o Facebook, um publicador também e, por isso, deve ter responsabilidades iguais às da rede social.

O ganhador do pleito, Jair Bolsonaro (PSL), começou com 8 segundos em cada bloco no horário eleitoral da TV, o que levou a análises apontando que ele poderia ter dificuldades no pleito.

Mas Bolsonaro terminou o primeiro turno com 46% dos votos. Diferença enorme de Geraldo Alckmin (PSDB), que começou as eleições com quase metade do total de tempo de TV reservado a todos os candidatos e uma votação de 4,76% no primeiro turno.

Cruz, da InternetLab, que o WhatsApp tenha substituído sozinho a TV. “A TV deixou de ter um papel preponderante, mas foi substituída por vários coadjuvantes.”

Ele observa que os debates de TV e entrevistas no Jornal Nacional, da Globo, por exemplo, tiveram picos enormes de engajamento nas redes sociais.

Justiça

A suposta omissão ou demora do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para lidar com o problema da proliferação de notícias falsas no Brasil foi alvo de críticas durante a campanha e é o terceiro fator para a composição de um “ambiente fértil” para o fenômeno no Brasil.

Para combater o problema, o TSE promoveu um seminário internacional sobre o tema, criou acordos com partidos e especialistas em marketing político e criou um conselho consultivo para discutir o fenômeno. Mas não foi o suficiente.

Daqui para frente, na opinião da advogada Gabriela Rollemberg, a Justiça terá que abrir “canal de diálogo mais amplo com WhatsApp para criar algum tipo de ferramenta de controle, mas sem censura. É um trabalho coletivo e a sociedade civil tem papel importante, com a colaboração não só das empresas de tecnologia, mas também dos estudiosos da matéria e da própria imprensa.”

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