Enquanto articula para tentar viabilizar a indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mantém o colegiado inoperante há um mês. A última reunião da comissão ocorreu no dia 29 de setembro.
Com os trabalhos parados, o escolhido pelo governo para ocupar a cadeira na Corte, o ex-advogado-geral da União André Mendonça, aguarda há mais de cem dias para ser sabatinado pela CCJ. Além disso, projetos importantes para o País, como a reforma tributária, seguem parados nos escaninhos da comissão.
Atualmente, há 214 matérias prontas para serem votadas pelo colegiado, entre elas indicações de autoridades para órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Há também impactos no Judiciário: o STF vem funcionando com dez ministros, o que prejudica os julgamentos em casos de empate.
Responsável pela pauta da CCJ, Alcolumbre se recusa a marcar a sabatina de Mendonça e, com isso, trava uma guerra fria com o Palácio do Planalto, do qual virou inimigo político. Sua postura, contudo, também irritou integrantes da comissão. Numa das últimas vezes em que a CCJ se reuniu, Alessandro Veira (Cidadania-SE), por exemplo, fez duras cobranças para que o colega desse andamento ao processo do escolhido de Bolsonaro, o que expôs Alcolumbre a um constrangimento público.
Os problemas do parlamentar amapaense, porém, não se limitam à condução do colegiado. Uma reportagem da revista “Veja” revelou um esquema de manutenção de funcionários-fantasmas e de “rachadinha” que seria comandado por Alcolumbre. Mulheres que foram lotadas no gabinete dele contaram à revista que eram obrigadas a devolver parte dos salários e, em troca, não precisariam trabalhar.
Reflexo da resistência do senador, outros nomes que almejam a vaga aberta no STF com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello intensificaram as articulações para ocupar a prateleira de plano B de Bolsonaro, caso ele decida recuar da indicação de Mendonça e enviar outro nome ao Senado. O presidente diz fazer questão de que seu escolhido seja um evangélico e, desde sempre, afirma que não cogita voltar atrás na escolha do ex-advogado-geral da União.
Cotado inicialmente para a vaga, o desembargador William Douglas voltou a circular em Brasília — assim como Mendonça, ele é pastor. O preferido de Alcolumbre e de outros senadores, Augusto Aras, o único da lista que não se declara religioso, mantém viva a esperança de chegar ao tribunal durante o atual governo, embora não admita publicamente que trabalhe para tal.
O deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), outro evangélico, também não esconde de aliados o sonho de virar ministro do STF. Considerado um azarão, ele próprio costuma dizer em reservado ter 1% de chance de ser indicado.
Na quarta-feira passada, Bolsonaro voltou a criticar Alcolumbre pela demora: “Não vou desistir. Não vou mandar outro nome para lá (ao Senado). Espero que o André seja aprovado. Está há mais de três meses esperando. Isso é uma tortura, é um desapreço para com o presidente da República. O que ele fez de errado? O que ele defendeu que é indefensável?”, questionou.
A indagação veio uma semana depois de o presidente elogiar publicamente o presidente da CCJ, dizendo que “com o Davi Alcolumbre, não tive problemas no Senado”. O gesto, inclusive, partiu de uma demanda do próprio senador. Ele fez chegar a interlocutores de Bolsonaro que gostaria de um reconhecimento público de seu trabalho como presidente do Senado, de 2019 a 2020.
Alcolumbre tem mantido conversas frequentes com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, sobre a sabatina de Mendonça. Tanto adversários quanto colegas próximos se queixam de que, nas últimas semanas, Alcolumbre passou a não retornar as ligações e que a situação está gerando um desgaste para ele. Senadores têm buscado o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para se queixar da paralisação da comissão.
Esforço
A interlocutores, Pacheco disse que fará um “esforço concentrado” no final de novembro, em acordo com Alcolumbre, para sabatinar autoridades que estão na fila da CCJ. O processo de Mendonça, porém, ainda é um impasse.
A comissão é considerada a mais importante do Senado, por ter a função de analisar a constitucionalidade e legalidade dos projetos. O prejuízo da paralisação só não é maior porque, como a Casa está funcionando em sistema semipresencial, as propostas que teriam de passar pelas comissões podem ser votadas diretamente pelo plenário. Não há perspectiva de retorno presencial neste ano.