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Serena Williams vira “garota-propaganda” de caneta para obesidade e gera debate

A ex-tenista profissional norte-americana Serena Williams é considerada uma das melhores de todos os tempos. (Foto: Reprodução)

“Passei a encarar (meu peso) como se fosse um adversário que não conseguia vencer com as estratégias de sempre. Tentei outros caminhos e nada funcionou.” Foi assim que a ex-tenista profissional norte-americana Serena Williams, considerada uma das melhores de todos os tempos, revelou – após muita especulação nas redes sociais – que está usando um medicamento da classe dos análogos do GLP-1, indicado para o tratamento da obesidade.

As opções mais recentes para tratamento da obesidade com análogo de GLP-1 são o Wegovy (semaglutida), da Novo Nordisk, e o Mounjaro (tirzepatida), da Eli Lilly – o Saxenda (liraglutida), mais antigo, também é uma opção. A tenista não chegou a informar qual a marca utilizada.

Ao Today Show, programa matinal da NBC, ela contou que, depois de duas gestações, não conseguia voltar a um peso saudável, o que já prejudicava suas articulações e os níveis de açúcar no sangue.

“Mesmo jogando tênis profissional e treinando cinco horas por dia, não conseguia ultrapassar um certo ponto na balança”, afirmou a ex-atleta, na última quinta-feira, 21.

Serena recorreu, então, a um análogo de GLP-1. “Eu mesma achava que esses medicamentos eram um ‘atalho’. Mas, na prática, não é isso.”

A tenista disse que decidiu se abrir por uma questão de transparência e também para combater o estigma em torno de quem usa essas canetas.

Ao mesmo tempo, porém, ela foi anunciada como embaixadora do programa de emagrecimento da Ro, uma empresa de telemedicina dos EUA que oferece medicamentos da classe dos análogos do GLP-1.

O marido de Serena, Alexis Ohanian, é membro do conselho e investidor da Ro, segundo o jornal americano The Wall Street Journal – ligação sobre a qual a atleta não falou publicamente até o momento.

Nos EUA, a publicidade desses medicamentos é “inflamatória” para a opinião pública, de acordo com o jornal.

Quando a Ro espalhou cartazes no metrô de Nova York mostrando barrigas recebendo a aplicação dessas canetas, críticos afirmaram que a empresa banalizava o tratamento da obesidade e incentivava o uso do medicamento por quem buscava apenas perder alguns quilos. A empresa respondeu dizendo que o objetivo era desestigmatizar a obesidade e o tratamento da doença.

Uma discussão semelhante volta, agora, com o anúncio de Serena. O Estadão conversou com especialistas em obesidade e eles também estão com divididos sobre a escolha da estrela para essa campanha.

A obesidade é uma doença crônica, complexa e grave, caracterizada por depósitos excessivos de gordura que prejudicam a saúde, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa gordura tem a capacidade de infiltrar outros tecidos e órgãos – num fenômeno chamado de “spillover” –, como coração, rim e fígado, causando lesões.

O acúmulo é resultado de um desequilíbrio entre consumo e gasto energético. Com base nessa explicação, muitos podem pensar que seria simples resolver o problema: coma menos e se movimente mais.

Pessoas com obesidade ouvem isso há anos. Só que esse tipo de constatação não poderia estar mais errada. A verdade é que a ciência ainda não conseguiu explicar completamente qual é o gatilho para esse desequilíbrio. O que se sabe, por ora, é que diversos mecanismos complexos, que envolvem desde hormônios intestinais até uma pequena estrutura do cérebro, chamada hipotálamo, podem fazer parte desse processo e explicar por que, para alguns, é tão difícil atingir um peso saudável.

O estigma, que transfere culpa e responsabilidade ao paciente e o tacha como “preguiçoso”, além de incorreto e injusto, prejudica a busca e o sucesso do tratamento, segundo os especialistas. Estudos mostram que até buscar um profissional de saúde para tratar o peso, um indivíduo fica, em média, seis anos tentando perdê-lo de outras formas.

E é justamente devido a essa realidade que alguns especialistas elogiaram a fala de Serena: ela reforça que não há motivo para se envergonhar caso essas medicações sejam necessárias.

“Você ter alguém que diz: ‘Estou fazendo a minha parte, treino todos os dias, tenho uma alimentação regrada e, mesmo assim, não consegui (chegar no peso adequado)’, deixa o recado de que as pessoas não precisam ter vergonha de dizer que usam essas medicações”, avalia Neuton Dornelas, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

A nutricionista Desire Coelho, colunista do Estadão, concorda e conta que alguns pacientes resistem à ideia de utilizar a medicação por sentirem que “falharam em se cuidar”. “Sentem que estariam ‘roubando’”, resume.

“Com a Serena, sendo a atleta que foi, ninguém vai dizer que faltou força de vontade”, pondera Desire sobre o possível impacto positivo do pronunciamento da tenista.

“Não há ‘caminho mais fácil’ para quem convive com obesidade”, reforça a endocrinologista Maria Edna de Melo, coordenadora da Comissão de Advocacy da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).

Desire crê que a fala de Serena não deve estimular o uso inadequado ou abusivo – ou seja, de pessoas sem indicação médica. “Quem quer usar sem precisar, só para perder 3 ou 4 quilos, já está fazendo isso.”

Nesse sentido, os especialistas identificam que uma oportunidade importante foi perdida. Quem vê as publicações de Serena nas redes sociais — mesmo de alguns anos atrás —, talvez não imaginasse que ela vivia com obesidade. E ela própria não chegou a dizer isso na entrevista ao programa americano ou nas peças publicitárias na Ro.

“Uma falha muito grande foi ela não ter aberto os exames e seu estado de saúde antes da medicação”, comenta Desire.

De uma maneira ou de outra, os especialistas avaliam que o posicionamento da atleta foi válido e gerou um debate importante — mas precisamos de muito mais para de fato abordar a obesidade e o tratamento de forma equilibrada e não estigmatizante. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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