“Oompa Loompa doo-ba-de-dê/ Tenho uma charada para você”. Esta canção do clássico musical “A fantástica fábrica de chocolate” (1971) diz muito sobre seu prelúdio, “Wonka”, que chega nesta quinta aos cinemas. O enigma, no caso, era para o diretor Paul King: como contar a origem do lendário chocolateiro Willy Wonka sem cair na armadilha de requentar uma franquia e perder o sabor original?
O realizador de “As aventuras de Paddington” começou acertando ao escalar para o personagem-título Timothée Chalamet, no auge da popularidade — vide a comoção que causou na CCXP, em São Paulo. Mas King resolveu mesmo o quebra-cabeça ao convocar Hugh Grant para viver uma criatura baixinha, de cor alaranjada, uma das marcas da fantástica fábrica. Seu Oompa Loompa é hilário, e tão politicamente incorreto quanto o Wonka original do cinema, imortalizado por Gene Wilder (1933-2016).
“Filmar a parte de efeitos especiais do personagem foi apenas insuportável. Era como usar uma coroa de espinhos, com 16 câmeras acopladas na minha cabeça. Muito, mas muito desconfortável. Reclamei pacas”, reclama novamente Hugh Grant, em entrevista coletiva por videochamada de Londres.
A parceria entre o jovem Wonka e o Oompa Loompa começa de forma nada ideal (com direito até a crítica ao colonialismo inglês, pelo fato de o ser mágico vir de uma ilha tropical). As cenas em que Chalamet prende Grant em uma garrafa e a que os dois embarcam, em classes diferentes, em um navio para local desconhecido, são impagáveis.
“Mas o processo de se filmar aquilo foi incompreensível para mim. Eles te colocam microfones, alças, 17 câmeras (leitor, atente para o aumento gradual do número). Não tinha a menor ideia de onde estava, para onde ia, o que acontecia. Dois meses se passaram e vem um “Hugh, poderia fazer tudo de novo?”. O.k. Mais dois meses: “Hugh, de novo?” Por dois anos isso! Não tinham como me fazer odiar mais um trabalho”, segue a ladainha o Oompa Loompa.
Diante do argumento de que o esforço valeu o resultado, Grant rebate:
“Será mesmo? Até aceito as 18 câmeras na minha cara, mas e meu corpo? Cadê? Meus movimentos foram substituídos pelos de outro profissional. Já havia feito “Paddington 2” com o Paul (King) e sabe por que nossa parceria funciona? É que ele ama filmar e eu quase detesto. Mas tenho muitos filhos (cinco, de 5 a 12 anos de idade), preciso do dinheiro, né?”
King corta de imediato a bola levantada pelo ator:
“Por isso ele ganhou o papel. Eu precisava do espírito da rabugice em pessoa.”
Inspiração literária
“Wonka” é inspirado tanto na obra do galês Roald Dahl (1916-1990), criador, entre outros, dos Gremlins e do Fantástico Senhor Raposo, quanto no clássico setentista da Sessão da Tarde, que teve roteiro do próprio escritor. O musical de Tim Burton, de 2005, com Johnny Depp, não foi influência direta.
O mundo traçado por Dahl em suas histórias bebe de seu protagonismo (como espião e piloto da Real Força Aérea) na Segunda Guerra Mundial. Narrado a partir do ponto de vista das crianças, seu “A fantástica fábrica de chocolate” mescla a crítica social de Charles Dickens (1812-1870) com a fantasia cruel dos contos de fada.
No estudo de origem de King, no entanto, não há espaço para criança gorda explodindo ou chata se afogando como no musical de Mel Stuart. “Wonka” também passa longe da polêmica revisão da obra literária do autor promovida este ano pelo grupo Penguin Random House, criticada por alguns especialistas como censura. A música de Neil Hannon, que se junta à parte da trilha original, é mais etérea. E fugiu-se de uma das marcas de Gene Wilder: o delicioso estranhamento que ele imprime no personagem.
“O Timmy (Chalamet) é um ator técnico, que controla a ação como poucos”, diz King. “Víamos os takes no monitor e ele mostrava nuances da interpretação dele que eu não tinha percebido. Ele mudou minha direção e me ajudou a criar um Wonka excêntrico, mas sem assustar demais. Um equilíbrio delicado.”
Órfão, o Wonka de Chalamet carrega a resiliência e a obstinação da mãe (Sally Hawkins) para criar mágica com seus chocolates. Se não chega a fazer os espectadores levitarem, como os personagens que provam seus quitutes, nem se destaca pela potência vocal, Chalamet exala charme e compreendeu as ambições de King e da Warner Bros.: fazer um achocolatado que pode até não ser o melhor belga do mercado, mas que traz conforto ao cliente em tempos bicudos.
“Entendo o ceticismo dos fãs quando se revivem personagens tão queridos, como o meu e o do Hugh. Eles se sentem na obrigação de protegê-los: “Ah, não, lá vem eles!” Minha garantia para embarcar nesse desafio, que é um dos maiores da minha carreira, foi a ficha técnica do filme. E agora consigo ver, feliz, “Wonka” como o outro vaso de um par que começou a ser moldado lá atrás pelo Gene (Wilder)”, diz Chalamet.