Para espanto, desencanto e achincalhe geral, uma escola de samba do Rio de Janeiro anunciou que irá homenagear, no próximo Carnaval, o Ex-Governador, Sérgio Cabral Filho, condenado a mais de 400 anos de prisão, e hoje em liberdade condicional com o uso de tornozeleira eletrônica. É sempre oportuno lembrar, diante desse insólito fato, que um País não se constrói somente através de seu território, língua, pessoas e costumes. Um País também é feito de um conjunto de valores morais que sustentam a noção do certo do errado, daquilo que é digno e daquilo que lhe causa vergonha. Há, infelizmente hoje no Brasil, uma sensação de que estamos regredindo em termos morais, que estamos dando exemplos errados no tratamento de questões centrais da vida nacional, dentre elas o respeito à coisa pública. Há aqueles que, inconformados pelos descalabros do noticiário, se expressam de modo mais estridente, outros, preferem conversas mais reservadas e muitos extravasam seu descontentamento pelas redes sociais. Bem antes da revolução da Internet, o jornalista Boris Casoy cunhou um termo que teve grande repercussão no jornalismo brasileiro e até hoje é usado sempre que ocorre um fato que machuca ou agride a noção de decência, seja ela no campo individual ou coletivo. “Isso é uma vergonha” virou um bordão inconfundível na voz do experiente âncora da TV brasileira, mas não teve, ao que parece, força suficiente para melhorar nossos parâmetros de moralidade.
Com um sorriso de quem experimenta o gozo da impunidade em todo o seu esplendor, Cabral tem circulado, com enorme desenvoltura, pela vida carioca, sendo inacreditavelmente paparicado nos muitos lugares por onde passa. Réu confesso, Cabral e seus comparsas mergulharam no crime com uma volúpia febril, num dos mais escancarados ataques ao dinheiro público que se tenha notícia. Tais atos aviltam e ofendem a mínima ideia de compostura no trato do erário, essencial para a consolidação da virtude cívica. O carioca, com seu espírito festivo, tem uma expressão bastante peculiar para expressar situações como essa: esculhamba, mas não esculacha. Esculachar, no caso, é zombar completamente sobre o que entendemos por vergonha na cara, e o que o Brasil assiste com a soltura de Cabral e a forma como ele tem se comportado, espelha muito bem isso. Mais além, uma sociedade que não apenas tolera como homenageia o crime, golpeia o necessário senso de justiça e deliberadamente naturaliza a corrupção, tornando a impunidade uma realidade concreta e popularmente referendada. A Marquês de Sapucaí será palco, caso o implausível tributo a Cabral ocorra, da consagração do peculato, ungido pelos aplausos da massa. O que de mais deprimente seríamos capazes de produzir?
A corrupção desvia os recursos que deveriam salvar vidas em hospitais, tira a merenda das crianças nas escolas, mata milhares no trânsito por falta de investimentos, além de contaminar a economia como um todo, uma vez que impede uma competição justa. Naturalizar a corrupção, assim, é fazer capitular o País. Contemporizar com o crime, relevar questões fundamentais de ordem moral e transigir com o intransigível é uma realidade que infelizmente assistimos hoje, mas não um destino. Também não se trata de sonhar com figuras como Cristo, Buda ou Maomé a nos conduzir. Somos, e sempre seremos, liderados por pessoas comuns, pessoas que erram e acertam, mas a responsabilização desses erros precisa ser feita sempre com senso de justiça e livre de expectativas messiânicas. Nossa indignação, entretanto, não pode ser seletiva, uma moral endereçada a um único partido ou pessoa. O roubo, a rapinagem, a corrupção e a malversação do erário não são obras de agora, mas tristemente fazem parte de nossa história. A mudança, se vier, será pelo enfrentamento aberto às nossas mazelas, incluindo a consciência de que igualmente somos parte desse problema e que o futuro estará sempre ancorado em nossas escolhas, para o bem e para o mal.