Um em cinco meninos de 13 a 17 anos no Brasil se declara viciado em pornografia. Número parecido admite dependência de games. E 14% dos adolescentes veem influenciadores digitais como principal referência masculina. Esses são alguns resultados da pesquisa Meninos: Sonhando os Homens do Futuro, realizada no Brasil pelo Instituto Papo de Homem com apoio do Pacto Global da ONU.
O estudo faz parte de um grande projeto sobre masculinidade no País que será divulgado integralmente em documentário no fim do ano.
Os dados da pesquisa indicam que apenas pouco mais da metade dos garotos preferem a vida offline do que a vida online. O estudo realizado pelo Instituto Papo de Homem revela também meninos com medo de serem acusados de violências contra as mulheres e uma maioria de garotos que gostaria de aprender a paquerar sem assediar.
“Vejo movimentos e influenciadores na internet oferecendo respostas supostamente simples para o que está acontecendo hoje” afirma o fundador do Instituto Papo de Homem (PDH), Guilherme Valadares, que participou dos grupos qualitativos da pesquisa e trabalha há anos com a discussão da masculinidade em escolas e empresas.
“Eles (meninos) se dizem viciados em games, pornografia, celular, isso tudo trancado no quarto. Como lido com esse caldeirão de rejeição, culpa, raiva, com redes sociais amplificando um ódio contra as mulheres, sem uma referência que admiro, sem relação de qualidade com meu pai? Com quem eu falo?”, resume Valadares.
A resposta, afirma o fundador do Instituto Papo de Homem (PDH), é que na maioria das vezes eles não falam com ninguém, reproduzindo a ideia de seus pais e de seus avôs de que os homens não discutem seus sentimentos.
As repostas de 4 mil adolescentes de todo o País, coletadas em 2023, mostram que 40% deles se declaram viciados em celulares. Além disso, 21,6% falam de dependência em games e 18,97%, em pornografia. Não se trata de um diagnóstico feito por médicos e, sim, uma percepção dos próprios meninos.
Estudos mostram que o vício em pornografia – hoje, facilmente acessada online – pode ser associado à dependência em cocaína, pelos efeitos que causa no cérebro. E ainda há também graves impactos na construção da sexualidade dos meninos, com referências ao sexo violento, sem consentimento, com a submissão da mulher e ainda com os desempenhos masculinos muito distantes do real.
De acordo com os dados da pesquisa do Instituto Papo de Homem, 46% dos meninos que responderam afirmaram que gostariam de ter ajuda para se livrar do vício em pornografia, games ou celulares.
De acordo com Valadares, os meninos vivem uma “escassez de referências masculinas positivas”: 60% deles afirmam conviver com poucos ou nenhum homem que consideram bom exemplo de masculinidade. E metade deles não sabe dizer se os pais os amam.
Além do levantamento, o projeto Meninos: Sonhando os Homens do Futuro criou também um programa que passou a ser testado em escolas, centros esportivos e espaços de lazer.
Foi organizada também, no ano passado, uma expedição na natureza, em que os adolescentes participaram de atividades físicas, meditação e rodas de conversas sobre o que é ser homem. A viagem e a aprendizagem dos meninos nessa expedição serão parte do documentário que será lançado no fim deste ano.
“Em geral, tudo na vida deles é perpassado pela ‘zoeira’, pelo machismo, pela objetificação, pela homofobia recreativa, como se masculino fosse igual a ser agressivo, mostrar que sou violento e que a violência não me fere”, afirma Valadares, do Instituto Papo de Homem (PDH). “Eles precisam ver outra possibilidade de o que é ser homem, que lida com cuidado, com emoções, com vulnerabilidade.”
Em março deste ano, fez sucesso a série Adolescência, da Netflix, que mostra a história de um menino de 13 anos que mata uma colega de escola. A produção do streaming fez com que famílias, educadores e a sociedade refletissem sobre a formação dos meninos e o impacto das redes sociais nesse processo.
“É preciso que se fale de masculinidade humana. Sentir é humano, expressar sentimentos é humano, permitir se afetar é humano, se você não vive essa parte da sua humanidade, isso vai ter consequências”, diz o psicólogo Marlon Nascimento.
Ele é fundador de um grupo que discute as masculinidades negras. De acordo com o psicólogo, para que haja a desconstrução do machismo é preciso ter a reconstrução do masculino. “Se fala pouco da masculinidade saudável. A masculinidade tóxica sabemos o que é, mas e a não tóxica, como se constrói?”, questiona. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.