Ícone do site Jornal O Sul

Um médico cubano ganhou na Justiça brasileira salário sem descontos, que antes eram repassados ao governo de Cuba

Sentença de Astrubal poderá favorecer outros médicos. (Foto: Reprodução)

Há cerca de um ano, o médico cubano Astrubal Perez Soto acessou o E-Cidadania, portal criado pelo Senado para receber sugestões de ideias legislativas, e apresentou sua proposta: médicos cubanos vivendo no Brasil e desligados do convênio da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) com o governo cubano poderiam renovar sua participação no Mais Médicos, como forma de “continuar contribuindo à saúde do povo brasileiro”. A iniciativa colheu apenas 370 dos 20 mil apoios necessários para que fosse considerada. Por isso, foi descartada.

O que ele não imaginava era que sua proposta iria interferir de forma contundente na política do programa. O juiz federal Márcio Luiz Coelho de Freitas, da 9ª Vara Federal do Distrito Federal, proferiu em julho, em processo movido por Astrubal, a 1ª decisão judicial, com análise de mérito, atendendo a pedido de cubano para participar do programa e receber integralmente a bolsa de R$ 11,5 mil do governo brasileiro.

Por serem funcionários do governo cubano, cooperados nascidos na ilha recebem um terço do valor pago a brasileiros. Dois terços são retidos pelo governo cubano, responsável por sua formação.

A decisão da Justiça do DF menciona o artigo 5º da Constituição, que prevê a brasileiros e “estrangeiros vivendo no país” a inviolabilidade do “direito à liberdade”. O processo tramita sob sigilo. “Este juízo não desconhece a necessidade de que o Estado Brasileiro, no campo das relações internacionais, cumpra os compromissos que assume perante outros Estados e organizações internacionais”, escreveu.

Segundo ele, no entanto, a questão “não diz respeito ao cumprimento do acordo bilateral”, mas à necessidade de garantir a Astrubal, que se casou com uma brasileira e vive em Fortaleza (CE), “a possibilidade de exercer amplamente sua liberdade, dissociando-se da relação anteriormente havida e participando em liberdade de condições em relação aos demais estrangeiros da seleção para o Mais Médicos”.

Caso deve parar no STF

Até então, só havia uma ação semelhante com discussão de mérito, envolvendo o médico Diego Reyes, considerada improcedente pelo juiz Gustavo Uliano, da subseção judiciária de Unaí (MG). Em dezembro de 2016, ele entendeu que a decisão sobre a continuidade no programa não era direito do médico intercambista e que, por isso, não caberia “ao Judiciário contrariar um acordo firmado entre Brasil e Cuba por intermédio da Opas”. Três mandados de segurança foram derrubados pelo governo seguindo a mesma linha de raciocínio.

O Ministério da Saúde contabiliza 145 demandas judiciais relativas à permanência de cooperados no Brasil, envolvendo 184 interessados. Desde abril deste ano, o número de demandas cresceu 39%. A maioria traz pedidos liminares, situação em que se pleiteia a urgência de julgamento, o que não vem sendo atendido pela Justiça. Nas contas do governo, foram 97 indeferimentos preliminares sobre urgência.

Os juízes entendem que a argumentação de dano irreparável não é suficiente e citam o risco de incidente internacional, por isso o julgamento tem ficado para o mérito. Nenhuma lei poderia prevalecer no Brasil em desconformidade com a Constituição — diz o advogado Erfen Ribeiro Santos, que espera usar a sentença de Astrubal como referência para novos casos.

Por se tratar de questão constitucional, ele entende que “só haverá decisão efetiva e final sobre isso quando o STF (Supremo Tribunal Federal) se manifestar”.

Estudos do governo apontam boa avaliação da participação de cubanos no programa, que atualmente tem 16,2 mil das 18,2 mil vagas preenchidas. São 8,7 mil cubanos, número que o governo promete reduzir para 7,5 mil. Em abril, Cuba chegou a suspender o envio de médicos em sinal de preocupação com as demandas judiciais sobre o tema. (AG)

Sair da versão mobile