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Uma lei portuguesa abre caminhos para que famílias brasileiras descubram suas origens judaicas

Aqueles que se refugiaram no Brasil deixaram milhões de descendentes, cuja maioria nem imagina ter este vínculo judaico. (Foto: Reprodução)

Quando Portugal e Espanha reativaram os tribunais da Inquisição no século XV, provavelmente os membros das comunidades judaicas daqueles países, os sefarditas, não esperavam que de uma hora para outra suas vidas mudassem completamente. As perseguições, prisões e execuções obrigaram centenas de milhares a fugir, abandonando suas casas, seus bens e, muitas vezes, sendo forçados à conversão ao catolicismo. Aqueles que se refugiaram no Brasil deixaram milhões de descendentes, cuja maioria nem imagina ter este vínculo judaico.

É o caso do paulista Júlio Junqueira, que ouviu falar pela primeira vez sobre a história sefardita ainda na escola, mas não achava que seria algo possível de ser comprovado. Anos mais tarde, morando na Alemanha, onde é aluno de mestrado em direito e leciona o idioma daquele país, teve novamente a curiosidade de pesquisar sobre o assunto e foi surpreendido.

“Grata foi a surpresa quando recebi o contato do escritório informando que, segundo resultado de uma avaliação genealógica, eu era descendente de judeus fugidos da Inquisição em Portugal”, conta o professor, que já faz planos para se integrar à comunidade portuguesa, país cuja cultura sempre lhe atraiu.

Com a descoberta de Júlio, oito parentes seus foram em busca dessas origens portuguesas. “Quando eu soube, avisei a todos os membros com os quais eu tinha contato e muitos deles se interessaram em saber sobre esta parte da nossa família. Quando vimos as estrelas de Davi na nossa árvore genealógica, indicando quem eram os nossos antepassados, nos enchemos de alegria. Lembro-me ainda com muita clareza do entusiasmo na voz da minha mãe ao ver esta árvore. Foi emocionante”, relembra.

Se no passado era algo a ser ocultado, o legado judaico tornou-se um resgate da própria identidade para os descendentes de sefarditas, que além de redescobrirem suas origens, podem solicitar a nacionalidade portuguesa por naturalização. Desde 2015, o governo português, por meio da Lei nº 1/2013 e do Decreto-Lei 30-A/2015, passou a conceder a nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas.

“A concessão de nacionalidade portuguesa por esta via tem um caráter reparatório transgeracional, no sentido de restaurar a nacionalidade dos descendentes daqueles que sofreram com as perseguições. Ao aplicar a lei, Portugal está fazendo as pazes com seu passado e permitindo que centenas de famílias resgatem a sua identidade”, avalia o advogado Renato Martins, da Martins Castro Advogados Associados.

A pernambucana Marcelle Guimarães Cavalcanti, depois de descobrir que tinha direito à nacionalidade portuguesa pela via sefardita e iniciar o processo, incentivou outros 20 membros de família a fazerem o mesmo. “Muitos da minha família estão se preparando para viver em Portugal quando o processo estiver concluído. Meu filho até passou a se interessar em estudar sobre o judaísmo depois dessa descoberta”, revela.

É curioso notar que o interesse pela cultura judaica sefardita vai se fortalecendo entre as famílias que se candidatam a esse tipo de nacionalidade.

É o caso de André Luiz Brandão, que depois de descobrir ser descendente de Leonor Henriques, que foi condenada pela Inquisição portuguesa, passou a estudar a cultura judaica e até mesmo o idioma ladino. Sua mãe, Sílvia Brandão destaca que a busca pelos antepassados contribuiu para unir as atuais gerações.

“Se abriu para todos nós a história de sofrimento e resiliência de Leonor. Procurei estudar mais o passado para valorizar ainda mais as riquezas achadas pelas informações do meu filho André e também resgatar a história do meu pai, António, dentro de mim, festejando a união dos nossos familiares que estavam muito distantes e nossos descendentes, que quase não se conheciam”, conta emocionada.

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