Uma nova regra tirou da Justiça comum mais de mil ações contra militares. Em 13 de outubro de 2017, o presidente Michel Temer sancionou a lei 13.491, que amplia as possibilidades de militares suspeitos de crimes cometidos no exercício da função deixarem a Justiça comum e serem julgados na Justiça Militar, em caso de crimes contra civis. Os promotores do DF (Distrito Federal) se basearam na nova lei para pedir o declínio de competência. A lei vem resultando em diversos casos de conflito de competência e numa indefinição sobre a quem cabe julgar esses PMs (policiais militares), o que pode atrasar o andamento das ações.
Em dezembro, o jornal “O Globo” mostrou que as divergências já haviam começado com a aprovação da lei. Uma solução definitiva ficará a cargo do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que já analisa os primeiros conflitos de competência, ou mesmo do STF (Supremo Tribunal Federal), provocado com ações diretas de inconstitucionalidade.
Seis meses depois de começar a valer, a lei 13.491 levou a um deslocamento de mais de mil processos que antes investigavam PMs na Justiça comum, em 14 Estados, e que agora estão abrigados na Justiça Militar, como mostra um levantamento inédito. Uma decisão do STJ ou do STF, no entanto, pode voltar a embaralhar esses processos.
Entidades criticam “impunidade e blindagem”
Somente em Goiás, por exemplo, o TJ (Tribunal de Justiça) espera um deslocamento de 3 mil processos envolvendo PMs. Os processos já transferidos nos Estados investigam PMs por tortura, abuso de autoridade, ameaça, lesão corporal, organização criminosa, corrupção, concussão, peculato e até mesmo crimes como estupro, posse ilegal de arma e de trânsito.
A predominância é de casos de abuso de autoridade. Além dos deslocamentos, a lei fez aumentar a quantidade de procedimentos abertos pela PM — e não pela Polícia Civil — em casos de crimes de militares contra civis: são 2,5 mil procedimentos novos desde outubro, em 11 Estados.
Além das incertezas, integrantes do MP e da Justiça que criticam a lei elencam basicamente três efeitos críticos: 1) a transferência de investigações de crimes cometidos por PMs, especialmente tortura, o mais emblemático, da esfera da Polícia Civil para as Corregedorias da própria PM, onde inquéritos historicamente sofrem com atrasos, corporativismo e ausência de instrumentos de apuração; 2) uma sobrecarga inédita de processos em varas e promotorias militares (o mais comum é o estado ter uma única vara e uma só promotoria); e 3) a saída de militares federais dos tribunais de júri em caso de crimes dolosos contra a vida, outra inovação da lei 13.491.
Já promotores e juízes militares sustentam que há espaço para o recebimento desses novos processos e que não haverá alívio aos PMs. Casos com penas menores, como abuso de autoridade, podem inclusive levar esses militares a perderem possibilidades de transformação da pena em medidas alternativas, como serviços comunitários, prevista em juizados especiais e inexistente na Justiça Militar, segundo promotores e juízes ouvidos pela reportagem.
Um entendimento prevalecente é que já há um desequilíbrio de forças entre polícias. Uma vítima de tortura de um PM, por exemplo, se verá obrigada a procurar a Corregedoria da própria PM.