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Pesquisas mostram que brasileiro tem pouca disposição para conversar com quem pensa diferente

32% dos brasileiros acham que não vale a pena conversar com quem tem visões políticas diferentes. (Foto: Agência Brasil)

Duas pesquisas divulgadas nos últimos dias registraram um fenômeno que todo mundo já notou: as pessoas andam mais fechadas para opiniões diferentes, mais cheias de certeza sobre todos os assuntos, mais intolerantes com quem pensa da mesma forma; e não é só nas redes sociais.

Novas pesquisas medem como anda a disposição do brasileiro para conversar com quem pensa de forma diferente. Uma delas foi feita em 27 países. As informações são do Jornal Nacional.

Os pesquisadores quiseram saber se vale a pena conversar com quem tem visões políticas diferentes; 32% dos brasileiros que participaram acham que não vale a pena.

Só na Índia e na África do Sul as pessoas estão ainda mais fechadas do que os brasileiros. Nos outros países pesquisados, incluindo Argentina, Chile, México, Estados Unidos, Reino Unido, Japão, as pessoas estão mais dispostas a conversar com quem tem visões diferentes.

Nas redes sociais, existe até um remédio pronto para quem não quer saber de diálogo: bloquear a outra pessoa.

Quando os pesquisadores perguntaram se as redes sociais estão tornando os debates sobre temas sociais mais divisivos do que eram antes, 54% dos brasileiros disseram que sim. Nesse ponto, o Brasil ficou na média dos outros países.

Dora Tognolli, psicanalista e mestre em psicologia social, acha que a sociedade está passando por um período de narcisismo.

No narcisismo, o outro não existe. Ele só existe enquanto ele gravita ao meu redor e ele me agrada, ele me dá satisfação. Eu posso ver no outro um inimigo na medida em que ele não me atende, como se eu fosse uma criança. Quando esse sujeito diferente ganha o status de inimigo, você entra numa guerra, uma guerra particular onde você quer destruir o outro. O outro não te interessa mais, ele precisa ser destruído, porque ele está tirando o teu sossego”, disse Dora, que é psicanalista na Sociedade Brasileira de Psicanálise.

Mas, mesmo com essa falta de clima, muitos brasileiros buscam conversar com quem tem opiniões contrárias. Têm paciência para isso, acreditam na força do diálogo. Se existem dois lados, essas pessoas transitam entre eles.

É o que mostra uma outra pesquisa, feita apenas no Brasil. Ela tratou do diálogo sobre machismo e feminismo entre pessoas com opiniões diferentes. Partiu dessa questão para classificar o comportamento dos brasileiros: 15% foram classificados como “construtores de pontes”; 35%, de “entre muros” – preferem nem conversar com alguém diferente; 50% dos entrevistados estão em “trânsito” – às vezes, mais abertos a conversar com quem pensa diferente, outras vezes, menos.

Uma das coordenadoras dessa pesquisa, Mafoane Odara, conta que o objetivo é entender o que falta para o diálogo acontecer e investir nele.

É entender que o diálogo não é um processo de competição onde você vai entrar para ganhar o jogo, é um processo onde os dois ganharão e essa conversa vai levar para um próximo nível dessa discussão”, afirmou Mafoane Odara, coordenadora do instituto Avon.

Fernando Schuler, doutor em filosofia e cientista político, afirma que quem se fecha ao diálogo vai virando especialista nas suas próprias opiniões e perde o senso crítico sobre aquilo em que acredita.

Os construtores de pontes são aqueles que vão liderar esse novo momento da democracia. A democracia precisa de moderados, precisa de moderação. A própria democracia é uma grande máquina de moderar oposições. Ser moderado não significa não ter convicções, significa não considerar suas próprias convicções como infalíveis em primeiro lugar. Significa aceitar a legitimidade do discurso e das convicções dos outros. Significa assumir a responsabilidade sobre as consequências daquilo que você defende. Significa a capacidade de mudar de posição quando aquelas ideias que você defendia se mostraram menos eficientes do que você imaginava. Ninguém, no fundo, em uma democracia, é dono da verdade. As instituições preservam a possibilidade de que todos, de alguma maneira, cooperem para um benefício recíproco, para que todos ganhem no longo prazo”, disse o professor do Insper.

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