Na realidade de parte dos mais de 100 mil brasileiros que hoje vivem em Portugal, não está nada bom. Em vez de pastel de bacalhau, queijo da Serra ou amêijoas, o que essas pessoas andam experimentando no país-irmão é o gosto da desilusão.
A gerente comercial Marina Lamar integra esse grupo. “Mudamos para tentar melhorar de vida”, conta ela, que chegou a Lisboa em setembro de 2018, com o marido, os filhos de 1 e 9 anos e grávida do terceiro. “Hoje vivemos pior que no Brasil.”
A família de Marina tinha uma rotina simples em Vitória, no Espírito Santo, mas conseguia viajar (“parcelando mil vezes no boleto”), ter carro, animais de estimação, vida social. A decisão de deixar o Brasil foi motivada pelo medo da violência e pelo desejo de proporcionar um ensino gratuito de qualidade aos filhos.
Após um tempo vivendo na casa de amigos, o casal resolveu batalhar por um endereço só da família. Como o preço dos aluguéis na capital é muito alto, os dois começaram a procurar lugares mais afastados. Depois de morarem em um quarto de hostel e em uma quitinete infestada de percevejos, conseguiram alugar um apartamento de dois quartos numa cidade a 20 quilômetros do bairro de Lisboa onde o marido trabalha como garçom. “Passados seis meses, a senhoria pediu o imóvel. Fiquei sem chão”, lembra Marina, que hoje mora de favor no apartamento de uma amiga, enquanto espera sair o passaporte do filho que nasceu em Portugal para retornar a Vitória. “Chegamos ao limite”, desabafa.
A onda de desencanto representa a ressaca pós-inundação migratória. Depois do êxodo em direção a Miami a partir dos anos 90, Portugal virou o eldorado para muitos que buscam uma fuga de problemas como a violência e o desemprego. Em 2018, a comunidade de brasileiros no país europeu chegou ao número de 105 mil, 23,4% superior ao total registrado em 2017.
Novamente, o Brasil liderou o número de títulos de residência emitidos, 28.210, e representa o país natal de 21% dos imigrantes que vivem por lá. Para os mais endinheirados, o governo local oferece vantagens até mesmo para conseguir a nacionalidade, e o mercado imobiliário constrói condomínios sob medida, com casas a partir de 2 milhões de reais e adaptações como cômodos para empregadas, espaços que não existem nas residências das famílias portuguesas.
Para quem não tem o mesmo colchão financeiro e arrisca tudo na mudança, há o grande perigo de trombar com a barreira da tímida economia portuguesa. O PIB, equivalente a 900 bilhões de reais, é menos que a metade da economia do Estado de São Paulo (2,2 trilhões) e deve crescer 1,9% em 2019, segundo estimativas oficiais.
“Nem sempre o processo migratório é bem-sucedido, às vezes por falta de informação antes da viagem, expectativas não condizentes com a realidade ou dificuldades de integração”, afirma Luís Carrasquinho, responsável em Portugal pelo ARVoRe (Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração).
A iniciativa, da Organização Internacional para as Migrações, não só banca a volta de expatriados sem condições de arcar com o custo das passagens como dá um incentivo financeiro para a reintegração no mercado de trabalho do país de origem. Desde 2007, o Brasil é a nacionalidade mais representativa no ARVoRe — e, nos últimos anos, o número de pedidos de ajuda de brasileiros vem aumentando. Em 2017 foram 335 solicitações e em 2018 elas chegaram a 616. Em 2019, até agosto, o ARVoRe já havia recebido 418 candidaturas.
A goiana Claudine Alves foi uma das pessoas que se beneficiaram do programa. Ela desembarcou em Lisboa em dezembro de 2017 com os dois filhos, então com 7 e 16 anos, para encontrar o marido, que vinha de Londres. Claudine vendeu o carro e os móveis antes de sair do Brasil e levou as economias para ajudar no recomeço. Na chegada, o primeiro choque foi térmico. Dos 39 graus de Goiânia, eles foram para 4 graus. O marido, que havia conseguido emprego na construção civil, acabou sendo dispensado com a diminuição de obras no inverno. Enquanto o casal penava para encontrar trabalho, as economias trazidas do Brasil eram queimadas no aluguel e nas despesas da casa. Nas vésperas do Natal, os dois deram duro numa confeitaria fazendo bolo-rei, doce típico das festas de fim de ano portuguesas. Na hora do pagamento, tomaram um calote.
Nos meses seguintes, Claudine conseguiu bicos num café e numa empresa de limpeza. Mas o que ganhava era muito abaixo das despesas. “Em cinco meses, a gente se viu numa situação desesperadora, à beira do despejo, com a proprietária dizendo que ia arrombar a porta e nos expulsar. Era muita humilhação”, conta. A família acabou salva pelo ARVoRe.
Embora tenha uma taxa de desemprego baixa (6,7%) em comparação com a trágica realidade brasileira (12,5%), Portugal está longe de ser um oásis para quem procura trabalho — e os estrangeiros sofrem mais ainda com essa dificuldade. A relações-públicas carioca Ana Duarte chegou a Lisboa em 2016 e guarda no notebook os mais de 300 e-mails que enviou com seu currículo desde então. Apenas sete empresas retornaram, das quais só uma era em sua área de atuação — e ela não ficou com a vaga. “Quando terminar meu mestrado, vou tentar uma bolsa em outro país europeu”, conta.