Solicitadas com menos de 15 dias de antecedência, as viagens urgentes de servidores públicos representam cerca de 70% dos voos do governo federal desde 2021. Ao todo, foram mais de R$ 5,2 bilhões gastos com passagens e diárias nesses casos, contra R$ 1,5 bilhão de viagens programadas com maior antecedência.
O maior crescimento desse tipo de voo foi de 2021 a 2022, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), uma alta de 58%. De 2022 para 2023, primeiro ano do governo Lula (PT), houve a segunda maior alta, de 30%. Em 2024, o ciclo de crescimento foi interrompido, com uma queda de 12% na comparação com 2023.
O portal Folha de São Paulo analisou dados de trechos de mais de 2,4 milhões de viagens de servidores disponibilizados no Portal da Transparência de 2020 —ano em que a divisão entre viagens urgentes e não urgentes passou a ser feita— até 2024.
Segundo a CGU (Controladoria-Geral da União), a decisão foi tomada em 2019, após acordo entre o órgão e o Ministério do Planejamento, à época responsável pelo sistema de concessão de diárias e passagens, hoje sob responsabilidade do MGI (Ministério da Gestão e Inovação).
O sistema registra viagens realizadas ou não, valores pagos em cada uma, nome e cargo do servidor, entre outras informações. Cada órgão é responsável por cadastrar e aprovar suas diárias e passagens.
Para verificar se a antecedência interfere no gasto público, a reportagem comparou os preços de passagens de trechos de viagens urgentes e não urgentes com origem em Brasília para um mesmo destino dentro de um intervalo de sete dias. A amostra tinha 8.116 voos internacionais e 327 mil voos nacionais, com um ou mais trechos.
Em 86% das vezes, a despesa com passagens desses voos foi mais alta do que aquela feita com antecedência para o mesmo destino. A diferença de preço foi maior para trechos nacionais, com os voos urgentes custando mais em 89% das vezes. Nas viagens internacionais, o mesmo aconteceu em 72% dos intervalos.
egundo especialistas, o quadro revela uma cultura de falta de planejamento no setor público, que prejudica a gestão de orçamento e eleva o custo das viagens a serviço.
Uma passagem comprada para Buenos Aires com urgência para decolar no dia 3 de fevereiro de 2024 teve custo de R$ 8.165, enquanto uma sem urgência para o dia 30 de janeiro do mesmo ano custou R$ 1.473. Os valores foram corrigidos pela inflação.
Para uma viagem urgente à capital do Acre, Rio Branco, no dia 6 de abril de 2024, o custo da passagem foi de R$ 5.234, contra R$ 1.743 para uma viagem não urgente para a mesma data e destino.
Viagens urgentes são necessárias para parte dos servidores e instituições públicas, sobretudo os que contam com responsabilidades imprevisíveis, segundo Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Pode ser enquadrado nessa situação, por exemplo, o gabinete da Vice-Presidência da República, que é o segundo órgão federal com maior cifra de passagens compradas sem antecedência. A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que também pode atender emergências, está em terceiro lugar.
No entanto, dos dez órgãos com maiores gastos, sete são IFs (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia). O primeiro lugar da lista é ocupado pelo Instituto Federal Baiano.
“Em um instituto de educação, 99% das [viagens] são previsíveis”, afirma o professor da FGV. “É um aspecto não republicano as pessoas acharem que, quando vão viajar, podem marcar quando quiserem, na hora que quiserem, sem planejamento.” Além dos IFs, da Vice-Presidência e da Funai, ainda consta na lista dos dez órgãos com valores mais altos a Funarte (Fundação Nacional das Artes).
Em nota, a Funarte afirma que parcerias e cooperações também são imprevisíveis. O fato de estar sediada no Rio de Janeiro exige viagens a Brasília e a outros complexos culturais, como São Paulo e Belo Horizonte, diz. A Funarte diz ainda que tem atuado para aprimorar fluxos de planejamento das viagens.
Procurados, o IF Baiano e a Funai não responderam aos questionamentos até a publicação desta reportagem.
Entre 2023 e 2024, já na gestão Lula, a cifra de viagens urgentes do gabinete da Vice-Presidência ficou em quase 98%.
Em nota, a Vice-Presidência afirma ter como premissa a economicidade de gastos, apesar da dinâmica para cumprir agendas e o fato de que o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), acumula cargo de ministro de Estado. Segundo a gestão, de 2022 a 2024, houve uma redução de 76,8% nas despesas discricionárias da Vice-Presidência.
Passagens compradas com antecedência têm um custo menor, seguindo um padrão internacional, de acordo com Mariana Aldrigui, professora de turismo na USP. Por isso, é necessário o planejamento prévio de quais serão os deslocamentos necessários ao longo do ano e, assim, reduzir as despesas.
O mercado privado costuma contar com um gestor de viagens, responsável por essa função. Esse profissional organiza com antecedência os cronogramas das equipes e busca com agências os pacotes com melhor custo-benefício. Mas, no setor público, essa figura ainda é rara, segundo a professora. As informações são do portal Folha de São Paulo.