Esse texto hoje é para você, seu pequeno tirano. Você mesmo, que está aí, pensando na vida. Você mesmo, que está refletindo sobre os rumos do Brasil.
Você, lendo e querendo opinar. Querendo participar ativamente dos rumos do nosso país. Pois então, prepare-se: a sua manifestação poderá ser apagada. Desconsiderada. Vetada. Censurada. Sem aviso prévio, sem decisão judicial. Basta ser desconfortável – afinal, você é um ser tirânico. Cortem-lhe a cabeça! No caso, a sua.
Deixa eu explicar: houve um tempo, quando promulgaram a nossa Constituição Federal, em que se entendia que a liberdade de expressão (prevista em no artigo 5º) era um direito fundamental. ERA. E não adianta encher a boca pra dizer que ainda o é, porque não é mais, não!
Mas fica pior. Como você bem sabe, o STF decidiu, por maioria, regular as redes sociais no Brasil. Como? As plataformas passarão a ser responsabilizadas pelos conteúdos criminosos dos seus usuários, independentemente de ordem judicial prévia. O que já acontecia, quando se tratava de crimes objetivamente identificáveis: mortos, estupros pedofilia. Uma imagem vale por mil palavras – tem coisas que a gente bate os olhos e já vê que está errada. Concorda? Então segue o raciocínio.
Aí, a Corte que manda no Brasil decidiu que isso não basta: Google, Meta, X etc será responsabilizadas caso cometam atos antidemocráticos, discursos de ódio, terrorismo e coisa e tal. Bonito na teoria, mas defina o que são esses crimes? Lembrando que o governo acha que o crime organizado não é terrorismo, tá? Então tudo bem.
Ou seja, basta alguém escrever algo, e o dono da “praça digital” pode ser punido. Antes que qualquer juiz diga se aquilo é verdadeiro, ofensivo ou criminoso. A lógica do Supremo é clara: se existe o “dever geral de cuidado”, há também o “direito geral de silenciamento”. Quem define o que é cuidado? Eles. Quem define o que pode ser dito? Também eles. Estamos à mercê de quem está no poder. Simples assim.
Mas fica mais bizarro! A ministra Cármen Lúcia afirmou, solenemente, que a censura é “espiritualmente proibida”. Soa bonito. Elevado, até. Nossa, que pessoa evoluída. Só que não. Ela faz o teatro para parecer democrática, mas cala a boca de um país inteiro. E não fica por aí. Aguarde os próximos parágrafos.
Em 2022, durante as eleições, Cármen já tinha ensaiado esse duplo discurso. Declarou-se contra a censura — “a não ser quando for possível censurar”. A ministra, como os outros no STF, flutua entre princípios elevados e práticas autoritárias com a leveza de quem acredita que sua “boa intenção” legitima qualquer medida.
Para fechar com chave de ouro o voto da censura, ela declara que não é possível que “estejamos em uma ágora com 213 milhões de pequenos tiranos soberanos”. Oi? Agora nós, o povo, somos “pequenos tiranos soberanos”? Isso me lembra a constituição americana – essa, sim, obedecida – que começa com “we, the people”. Sim, porque O POVO é, mesmo soberano. Quanto à tirania…fale por você, Ministra. Que vergonha! E
O que o STF está fazendo é perigoso — e precisa ser dito com todas as letras. A Corte tem se tornado o órgão que decide tudo o que realmente importa no país: quem pode concorrer, o que pode ser dito, que leis valem ou não, como as empresas de tecnologia devem agir, quem deve ser investigado — e agora, o que pode ou não circular nas redes.
Não há mais Legislativo, Executivo, nem Ministério Público que imponha limites. Todos se curvam. E se não se curvarem, serão silenciados. É o Supremo quem define o que é moral, constitucional, razoável e — agora — aceitável. Não por meio de interpretações da lei, mas de interpretações do espírito da época. Tornaram-se oráculos de um país que sequer ousa questioná-los.
Quando o Judiciário assume para si o papel de legislar, investigar, punir e ainda moderar o debate público, ele não apenas distorce a Constituição. Ele a monopoliza. E, ao fazer isso, torna o povo um detalhe incômodo — aquele que precisa ser contido, doutrinado, policiado.
É curioso: a ministra teme que cada cidadão, com seu celular na mão, seja um “pequeno tirano”. Mas se esquece de que o verdadeiro tirano é aquele que cala as vozes por julgar-se iluminado demais para ouvir. A tirania não está nas mãos do povo. Está nas cadeiras que, sem voto, se acham acima dele.
Nós não somos tiranos, Ministra. Somos “manés” mesmo. Perdemos. Perdemos a voz. Perdemos o poder. Perdemos a liberdade mais básica: a de se expressar.
Ali Klemt
@ali.klemt