Se a passagem aérea foi comprada no Brasil, a legislação nacional garante os direitos do consumidor, mesmo que o problema durante a viagem ocorra no exterior, afirmam advogados e entidades de defesa do consumidor. Embora sejam obrigadas a prestar assistência ao passageiro brasileiro, as empresas podem não cumpri-la.
“A Anac não possui jurisdição fora do território nacional. Portanto, não pode fiscalizar diretamente o cumprimento dessas obrigações no exterior”, esclarece Luciano Barreto, o diretor geral da AirHelp Brasil, empresa especializada em direitos de passageiros aéreos.
O que diz a Resolução nº 400 da Anac? A legislação brasileira garante os direitos do consumidor ao longo de toda a viagem, incluindo o trecho no exterior, desde que a passagem tenha sido comprada no Brasil. É o que determina a Resolução nº 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em qualquer lugar do mundo, a companhia aérea é obrigada a dar assistência, seja qual for o motivo do cancelamento ou atraso: problema mecânico, greve, condições climáticas ou um shutdown governamental, como ocorre nos Estados Unidos.
A AirHelp Brasil esclarece que a legislação brasileira se aplica mesmo quando a causa do cancelamento da viagem é alheia à responsabilidade da companhia aérea.
Em sintonia, o diretor executivo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Igor Rodrigues Britto, reforça que a recusa de assistência “não pode ser baseada em coisas que não são culpas da companhia aérea”. Situações de paralisação, mão de obra ou efeitos da natureza fazem parte “do risco da atividade de transportar passageiros” e já estão embutidos no preço das passagens aéreas, atesta.
Quais são os direitos do passageiro na viagem? Primeiramente, a companhia aérea deve explicar com clareza o que aconteceu e quais são as opções disponíveis. Enquanto aguarda a solução, o viajante brasileiro tem direito ao seguinte, conforme o tempo de espera:
– A partir de 1h de atraso: A empresa deve oferecer facilidade de comunicação, como uso de internet e telefonemas;
– A partir de 2h de atraso: É obrigatória a alimentação adequada, tal qual a distribuição de vouchers ou refeição;
– A partir de 4h de atraso: Caso haja necessidade de pernoitar, a empresa deve pagar hotel e transporte de ida e volta ao aeroporto.
Além da assistência, o passageiro tem o direito de escolher entre três alternativas, e a decisão é sempre dele, asseguram os especialistas:
– Ser colocado em outro voo, que pode ser da mesma companhia ou de uma concorrente;
– Receber o dinheiro de volta, ou seja, o reembolso integral do que foi pago;
– Em alguns casos, se for viável, viajar por outro meio de transporte.
Especialista em direito do consumidor e fundador da startup Resolvoo, Luan Barbosa destaca que o reembolso integral é um direito, sem discussão. Portanto, a companhia não pode se negar a devolver o dinheiro com a alegação “não foi nossa culpa”.
O Idec frisa que a assistência é devida “simplesmente pelo fato de que as companhias áreas estão com o dinheiro dos passageiros na mão”. O instituto reforça que as empresas lucraram com um serviço que não foi prestado integralmente.
Sobre o direito à reacomodação, o Idec esclarece: “Não significa que será em um voo da mesma companhia”. A empresa é obrigada a realocar o viajante na próxima vaga que tiver, inclusive de uma companhia aérea concorrente, sem custo adicional ao passageiro.
As normas não especificam sobre a prática de exigir pagamento pela diferença de classe (por exemplo, de econômica para executiva).
Segundo Luciano Barreto, diretor-geral da AirHelp Brasil, aproveitar-se da desvantagem do consumidor para aumentar o preço em momentos de calamidade é, além de “ilegal”, “imoral” sob as regras de defesa do consumidor. Essa postura deve ser combatida judicialmente, pontua ele.
O que fazer se a companhia negar assistência? Luan Barbosa, da Resolvoo, afirma que a parte mais importante é documentar tudo, pois a palavra do passageiro sem provas “raramente funciona na Justiça”.
– Ao descobrir o cancelamento: tire fotos do painel de informações mostrando o cancelamento, fotografe o bilhete/cartão de embarque e anote o horário exato em que foi informado;
– No balcão: procure a companhia e diga claramente o que precisa: “Meu voo foi cancelado e preciso de assistência. Preciso de alimentação e, se for pernoitar, de hospedagem também”;
– Guardar comprovantes: guarde absolutamente todos os comprovantes de despesas que teve que arcar por conta própria, como recibos de hotel, notas de restaurante, e gastos com Uber/táxi.
Barreto, da AirHelp Brasil, orienta que o passageiro deve “guardar os comprovantes de despesas (alimentação, hospedagem, transporte local) e, posteriormente, solicitar reembolso com base na legislação brasileira”.
Adicionalmente, o Idec reforça a importância de vídeos, gravações e testemunhas, sobretudo porque a companhia aérea pode se recusar a fornecer uma declaração por escrito em aeroportos estrangeiro. Porém, o diretor executivo do instituto faz uma ressalva: o consumidor deve ter cautela ao reivindicar para que a produção de provas seja feita “de maneira a se preservar contra acusações de excesso por parte da polícia da segurança desses aeroportos”.
Quais são os direitos já no Brasil? Se a companhia aérea não cumpriu com as obrigações legais, o passageiro pode buscar seus direitos ao retornar ao Brasil das seguintes formas:
– Reembolso de despesas: pedir o reembolso de todas as despesas que teve (hotel, alimentação, transporte etc);
– Indenização por danos morais: buscar compensação se passou por um transtorno significativo e estresse;
– Ressarcimento por prejuízos concretos: se perdeu um compromisso de trabalho importante, uma festa de casamento que tinha pago e assim por diante.
A Justiça brasileira costuma ser favorável aos passageiros, especialmente quando há boa documentação, avalia Luan Barbosa, da Resolvoo. É considerado um “risco do negócio”, um fortuito interno, que não pode ser repassado ao consumidor. Mesmo que opte pelo reembolso integral, o viajante tem direito à compensação por despesas extras e, se for o caso, indenização por transtornos. O prazo para entrar com o processo é de até cinco anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
