Dez anos separam os trabalhos de Wagner Moura em “Praia do futuro” (2014), de Karim Aïnouz, e “O agente secreto”, longa-metragem do pernambucano Kleber Mendonça Filho, ainda inédito no país, e que concorre à Palma de Ouro no Festival de Cannes. O artista, que nesse período apenas estrelou produções estrangeiras, entre as quais a série “Narcos” (2015-2017), da Netflix, e o filme “Guerra civil” (2024) — além de ter dirigido a cinebiografia “Marighella” (2019) —, afirma que não via a hora de voltar a falar português num set de filmagem.
Em entrevista coletiva a jornalistas, no evento francês, após a exibição de “O agente secreto” — que ele protagoniza —, o baiano de 48 anos repassou a trajetória recente no exterior e reconheceu a importância do streaming ao propagar o próprio trabalho para um público amplo.
“A série ‘Narcos’ (em que interpreta o narcotraficante Pablo Escobar) é provavelmente a coisa mais popular que já fiz. Viajo ao redor do mundo e vou para lugares como o sul da Ásia, e as pessoas falam: ‘Olha lá o Pablo Escobar!’ Essa é a coisa do streaming: está literalmente em todo o lugar. E ‘Narcos’ foi importante, mas não só por essa razão. Morei na Colômbia, aprendi espanhol… Para mim, foi uma experiência extraordinária. Mas eu realmente precisava voltar ao Brasil e fazer alguma coisa em português”, afirmou Wagner Moura.
O ator ressalta, mezzo sério, mezzo brincalhão, que, a rigor, só topou participar de “O agente secreto” porque cultivava um “desejo imenso” de trabalhar com Kleber Mendonça Filho, cineasta por quem nutre admiração. “Se fosse para fazer ‘Chapeuzinho vermelho’, eu ia achar alguma coisa boa”, contou o ator, durante a coletiva de imprensa.
Wagner e Kleber se aproximaram há mais ou menos quatro anos, num momento em que compartilhavam opiniões parecidas acerca da frágil situação política no país sob o governo Bolsonaro, com ameaças frequentes a democracia, algo que incluiu um ato terrorista em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023.
“Minha aproximação com o Kleber começa menos pela arte, e mais pela política. Foi numa época em que brasileiros viveram um período difícil, com políticas autoritárias, e que notadamente a academia, a universidade, os artistas e a imprensa foram massacrados. E aí nós nos conectamos nesses lugares: como podemos, enquanto artistas, nos posicionar, nos ajudar e dar uma resposta a isso?”, ressalta.
13 minutos
A projeção de “O agente secreto”, no Festival de Cannes, foi seguida por uma ovação de 13 minutos de aplausos, além de uma série de críticas favoráveis na imprensa francesa. Ambientado no final dos anos 1970, durante a ditadura militar brasileira, o longa acompanha Marcelo (Wagner Moura), um especialista em tecnologia que foge de um passado misterioso e volta ao Recife em busca de paz, mas logo percebe que o clima não é dos melhores. Além de Wagner Moura, o elenco reúne nomes como Gabriel Leone, Maria Fernanda Cândido, Hermila Guedes, Thomás Aquino e Udo Kier.
“Um dos elementos que mais me levaram a querer escrever o filme é que eu acho que o meu país tem um problema de amnésia auto-aplicada e que foi normalizada com a anistia em 1979, a anistia proposta pelo próprio governo militar que, desde 1964, tinha cometido incontáveis atos de violência contra a população brasileira”, explicou o diretor.
“E essa amnésia causou um trauma na psicologia do país. Foi normalizado cometer todo tipo de violência e depois simplesmente passar um pano em tudo, recomeçar do zero e aí trazer aquilo: ‘Vamos seguir a vida e bola pra frente porque é muito desagradável falar de certas coisas’. E eu acho que isso é um elemento muito forte no meu desejo de fazer o filme”, reforçou Kleber Mendonça Filho.
O filme, segundo o cineasta, vem sendo gestado há cerca de quatro anos. Wagner Moura conta que trocou várias ideias com o colega ao longo do processo de escrita do roteiro. “A ideia do filme começa nesse momento que eu citei de pressão política. De distopia política mesmo! É um filme sobre valores, né? Quando os valores que vêm de cima são tortos, e quando a maioria das pessoas comunga com esses valores, é muito difícil e é muito corajoso você simplesmente ser quem você. Há sociedades e países, e o Brasil andou perto disso, em que você simplesmente ser gay, ser preto, ser indígena é um risco de vida grave. Politicamente essa era uma coisa que todos queríamos falar. Mas o meu interesse nesse filme é neste rapaz aqui”, disse Wagner, apontando para Kleber.