O filho de Maria passou algumas horas no mundo. A mãe mal viu o menino. Ele morreu após nascer. Maria também é uma menina. Tem 15 anos e não entende o que matou o seu bebê, o primeiro caso de que se tem notícia no Brasil de uma combinação de problemas que médicos e cientistas começam a chamar de zika congênita.
Como Maria, eles também não compreendem quase nada e se assombram como o vírus pode causar tamanha devastação. “Foi nosso primeiro caso. Aconteceu em novembro, antes do alerta nacional sobre o zika. Sabíamos que a mãe tinha sofrido de zika. A criança era microcéfala, mas esse era só parte de seus problemas. A mãe não conseguia entender nada, ficou desesperada. E é desesperador ver uma tragédia tão grande assim e tentar consolar o inconsolável”, explica a médica e pesquisadora Adriana Melo ao falar do filho de Maria, a menina cujo nome verdadeiro não deseja revelar.
A criança sofria de artrogripose severa, com pernas e coluna deformados. “Infelizmente, temos visto outros casos assim. Observamos um padrão na Paraíba que parece mais grave. Não sabemos o porquê. Há natimortos. Eles não eram microcéfalos. São diferentes de outros casos relatados no resto do País. Muito mais severos. O cérebro é praticamente todo líquido”, frisa a médica, cujo grupo foi o primeiro a alertar para a existência de outras complicações, além da microcefalia.
Há casos como o de Guilherme, o bebê de outra moça. Foi do líquido amniótico dele que o zika foi isolado e sequenciado nesse meio, pela primeira vez, pelo grupo integrado por Adriana, Amílcar Tanuri, chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Ana Bispo, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
“Guilherme não era microcéfalo, tinha perímetro encefálico normal. Mas os ventrículos cerebrais estavam muito aumentados. Ele praticamente não tinha mais cérebro”, diz Adriana. O menino não viveu nem 48 horas, e sua mãe voltou para Juazeirinho sem o filho nos braços. “Ela sabia que o menino tinha problemas muito sérios. Mas o queria ainda assim. Tentamos explicar que não viveria”, conta a médica. Mas a moça na casa dos 18 anos, que prefere ser chamada de a “mãe do Guilherme”, não se conforma. Outra mulher da mesma cidade e que também teve zika voltou para casa com a sua Catarina, que tem microcefalia.
Novo mal se chama ventriculomegalia grave.
A complicação que afetou Guilherme e pelo menos outros cinco bebês se chama ventriculomegalia grave. Ela acontece quando os ventrículos cerebrais são tão dilatados que outras partes do cérebro se atrofiam ou são inexistentes. O espaço é então preenchido por fluido. Em muitos casos, o perímetro encefálico é normal.
A neurocirurgiã Alba Gean Medeiros Batista explica que esse é o distúrbio mais grave associado aos casos de zika na gestação. Algumas partes do cérebro podem ser praticamente inexistentes, como o tálamo, o bulbo cerebral e o cerebelo. “Temos o caso de um bebê cujo cerebelo está praticamente solto. Em Campina Grande [Paraíba], temos visto mais casos de ventriculomegalia do que de microcefalia ultimamente e não fazemos ideia do motivo. Também verificamos que danos no cerebelo são mais frequentes. Queremos poder identificar os casos que podem se agravar durante ou depois da gestação, mas não sabemos como. Nos faltam os testes mais básicos”, destaca Alba.
Adriana alerta que já são seis casos de ventriculomegalia e artrogripose ligados ao zika na gestação. Quatro crianças morreram e duas estão em gestação. “É uma síndrome que pode ser devastadora. O que estamos chamando de zika congênita tem uma variação enorme. E microcefalia, como disse em um estudo, é só mesmo a ponta do iceberg”, afirma. (AG)