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Por Redação O Sul | 30 de setembro de 2018
No dia 6 de junho de 2017, o Congresso Nacional promulgou uma emenda constitucional determinando que “práticas desportivas que utilizem animais” não são consideradas cruéis, “desde que sejam manifestações culturais”. Foi uma resposta ao STF (Supremo Tribunal Federal), que havia considerado a vaquejada inconstitucional. Essa foi a 96ª emenda à Constituição. Nos meses seguintes, outras três foram aprovadas, totalizando 99 nos 30 anos. A média é de cerca de três por ano.
A lista traz itens curiosos, como a emenda 75, aprovada em 2013, que imuniza de tributos CDs, DVDs, LPs e Blu-rays de autores nacionais; ou a emenda 5, de 1995, que dispõe sobre a exploração de gás canalizado pelos estados.
A explicação para emendas tão específicas está no estilo da nossa Constituição, que é extensa e detalhista. Ou seja, como o texto constitucional trata de temas tão diversos como a Previdência ou questões tributárias, toda alteração desses assuntos deve ser feita por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
“Por isso é natural que tenhamos de alterá-la mais. Não significa que sua identidade esteja sempre em mutação, afirmou ao jornal O Globo Conrado Hübner Mendes, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Essa necessidade de emendas para tratar de diversos assuntos causa complicações no presidencialismo de coalizão, na avaliação de Daniel Sarmento, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
“O presidente vai precisar não de uma maioria simples, mas uma maioria de três quintos”, ressaltou. Algumas emendas tratam de temas específicos de certas categorias, como a 51, sobre a contratação de agentes comunitários de saúde, ou a 82, que trata da segurança viária e da carreira de agentes de trânsito. Já as emendas 19 e 34 estabelecem a acumulação de cargos no serviço público de professores e médicos, respectivamente. Segundo Sarmento, algumas mudanças são resultado da pressão do funcionalismo público.
“A Constituição tem um lado muito corporativo. As corporações lutam não só para conquistar direitos, mas para colocá-los na Constituição”, disse. Os dois especialistas não consideram, contudo, o número de emendas elevado.
“Temos que perder o fetiche essencialista da Constituição que só trata dos temas grandiosos da nação, dos direitos e da separação de poderes”, afirmou Hübner Mendes.
Lipoaspirar a Carta
Mudar a Constituição é difícil. É necessário o consenso de pelo menos 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores. Alterar o texto tornou-se uma negociação de varejo entre Executivo e Legislativo. Políticos de tendências diferentes têm buscado saídas, e um novo verbo é visto como possível solução: “desconstitucionalizar”, ou seja, retirar do texto constitucional os temas alvo de reforma e fazer modificações por meio da legislação comum (lei ordinária ou complementar), sem a exigência de tão ampla maioria.
Constituinte e ex-presidente do STF, Nelson Jobim acredita que a fórmula para “lipoaspirar” a Carta é deixar a discussão do mérito das mudanças pretendidas para um segundo momento. O primeiro passo, sugere, é levar os dispositivos que podem ser alterados por leis infraconstitucionais para as Disposições Transitórias da Carta. Continuariam em vigor, até que fossem alterados por lei.
“Dessa forma, é possível acordo, porque você chama o Parlamento para retomar a formulação de políticas públicas, que é sua função e que hoje está sob intervenção sucessiva do STF, que não tem legitimidade política para isso.”
O ministro do STF Gilmar Mendes acha que o atalho proposto pelo ex-colega na Corte faz sentido, mas ressalta que a tarefa política não será fácil: “É uma boa abordagem. Talvez seja uma proposta radical para chegar a um meio-termo. Se esse consenso for alcançado, será um avanço.”
Para o ex-ministro da Previdência e ex-constituinte Roberto Brant, “desconstitucionalizar” é a melhor saída para atualizar a Carta: “Quem ganhar terá de fazer isso. Ficou impossível governar.”