Sexta-feira, 26 de abril de 2024
Por Redação O Sul | 6 de janeiro de 2019
Durante a leitura de uma passagem de “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais” me dominou um pensamento de milésimos de segundo que poderia ser traduzido assim: “Puxa, esse trecho vale um bom post no Twitter ou no Facebook!”. Outros milésimos depois, claro, me dei conta da flagrante contradição entre esse impulso e o tema do livro. Algo como: “É, me pegaram”.
O foco de “Dez argumentos” é justamente o bombardeio constante das redes sociais nas nossas vidas e como isso está mudando a nossa cabeça – para pior, na visão do autor Jaron Lanier.
O cientista da computação de 58 anos é um dos idealizadores da realidade virtual e trabalhou no aperfeiçoamento das redes da internet no final dos anos 1990, entre outras credenciais que o tornam uma lenda no Vale do Silício. O norte-americano é visto frequentemente com suas tranças rastafári na TV para falar sobre presente, futuro e tecnologia.
O livro saiu em maio nos EUA e ganhou recentemente uma edição brasileira. Essa espécie de manifesto apareceu em um momento delicado para o Facebook: 2018 foi o pior ano para a imagem da rede após uma série de escândalos de vazamento ou entrega deliberada de dados privados dos usuários, críticas a ações consideradas tímidas contra a disseminação das fake news e até a revelação de planos da empresa de investigar seus críticos.
Nas cerca de 150 páginas do livro, Lanier se interessa mais em explorar os efeitos sobre a saúde mental de quem olha as notificações várias vezes ao dia. Por exemplo, é saudável checar ansiosamente quantos corações você ganhou com aquela selfie ou se aquele textão seu teve um número decente de likes? Faz bem esse jogo de avaliar o seu sucesso pessoal pela métrica do seu perfil no Face, Twitter ou Insta?
É um vício?
A comparação das redes sociais com o potencial viciante do cigarro e o quanto pode fazer mal à saúde tem ganhado espaço, e o escritor concorda com ela, até certo ponto. “Antes era permitido fumar em locais fechados e agora não é mais. De fato, muitas pessoas estão vivas por causa dessa diferença de percepção sobre os males do cigarro entre as épocas”, afirmou.
“Mas, de um ponto de vista técnico, o uso constante de redes sociais tem mais a ver com o vício em jogos, apostas. Ambos são vícios comportamentais e é mais difícil de se livrar deles porque, para ocorrer alguma mudança, você claramente precisa confrontar o seu próprio comportamento.”
Lanier também ressalta como um ajuste aqui e outro ali nos algoritmos podem alterar o humor de uma pessoa. “Pesquisas do próprio Facebook mostram que determinar quais posts aparecem na timeline tem o poder de jogar o ânimo dos usuários para baixo – e sem eles perceberem que isso está acontecendo. É consenso na ciência que você não consegue estar inteiramente a par do que essas ferramentas fazem para os seus processos mentais”.
O problema é que é cumulativo, diz o autor. “Se você ficasse triste uma vez ou outra não seria tão ruim. Mas isso acontece constantemente e, gradualmente, isso se torna o que dá cor ao seu mundo. Com o passar do tempo há um efeito que se nota. Mas muitas pessoas não estão percebendo agora o que está acontecendo com elas”.
O processo
Lanier explica que a gangorra emocional (uma hora posts que te deixam feliz, outra hora, com raiva) é uma forma de aumentar o “engajamento” (ou vício) do usuário nas redes sociais.
Outro elemento no processo é a elevação dos níveis de dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer, por causa de likes e interações.
E aí entra a aleatoriedade: dá para fazer uma ideia, mas não se sabe exatamente quando você vai receber os likes de recompensa (o famoso “biscoito”, como a internet brasileira refraseou) e em que quantidade. Seu cerébro, no entanto, tenta encontrar um padrão de funcionamento desse processo. É aí que o escritor afirma que você está tentando se ajustar a uma ilusão. E tudo isso, descreve o cientista da computação, está a serviço de tentar descobrir em qual estado emocional o usuário tende a clicar nos anúncios nas redes. E, quem sabe, comprar.