Quarta-feira, 19 de novembro de 2025
Por Redação O Sul | 8 de julho de 2021
Na noite de quarta-feira (7), o senador Omar Aziz deu ordem de prisão a Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, que prestava depoimento na CPI da Covid no Senado.
Dias foi acusado pelo senador de ter mentido, o que teria justificado a ordem de prisão em flagrante. Ele foi detido pela Polícia do Senado, e liberado após pagamento de fiança (de cerca de R$ 1 mil).
Maria Jamile José, advogada de Roberto Dias, apontou a ilegalidade da ordem de prisão, destacando que não havia fundamentos suficientes.
“A prisão decretada ontem na CPI foi absolutamente ilegal e abusiva, seja porque não configurado qualquer crime de falso testemunho, já que não havia prova da suposta falsidade — e sim mera divergência de versões —, seja porque a sessão já havia sido encerrada, tendo sido reaberta, concomitantemente à Ordem do Dia no Senado Federal, com o fim único e exclusivo de que fosse decretada a prisão do depoente.”
O episódio também preocupou outros advogados, como o criminalista Alberto Toron, para quem a ordem de prisão “desmerece as melhores tradições do nosso Senado”, chegando a configurar abuso de autoridade. Toron ressaltou o fato de que, apesar de Dias estar sendo ouvido como testemunha, era óbvio que se tratava ali de um investigado, que teve seus direitos violados.
“É evidente, malgrado ele tivesse sido qualificado como testemunha, que, pela natureza das indagações, ele era investigado. Como investigado, ele tem não apenas o direito de permanecer calado, o direito de não se autoincriminar, e até de dar uma versão aos fatos que seja fantasiosa. A prisão dele é a consagração do arbítrio ao vivo e em cores. Lamentável episódio, que corporifica até mesmo o crime de abuso de autoridade.”
O criminalista José Roberto Batochio concorda. “Além de escancarado arbítrio, houve grosseiro equívoco jurídico: prisão em flagrante não se ‘decreta’, mas ao que se encontra em situação de flagrância, ‘autua-se’!”, declarou.
“Ademais, investigado ou acusado não comete jamais, no nosso sistema, delito de falso testemunho. A Constituição da República assegura ao investigado ou ao acusado a liberdade de dizer (ou não dizer) o que bem entender, por isso que não deve nunca ser compromissado como testemunha, como é óbvio. É o direito de não ser obrigado a se incriminar.”
À Folha de S.Paulo, o advogado Gustavo Badaró também tinha afirmado que Roberto Dias não poderia ter sido preso por falso testemunho, já que ele era investigado. Segundo Badaró, os senadores que foram alvos da Lava-Jato agora se comportam como seus algozes.
“Reclamaram que a Lava-Jato foi utilizada para fins políticos, para perseguir dizendo ser combate à corrupção, e parece que estão fazendo a mesma coisa”, afirmou ao jornal. “Quando têm o poder fazem o que criticavam anos atrás, eles estão sendo o Janot dos alvos da CPI.”
Uma das vozes mais abalizadas a respeito da dicotomia entre o direito penal mínimo e o direito penal máximo, o desembargador aposentado Abel Gomes, relator da apelidada Lava-Jato no Rio de Janeiro, também estranhou a decisão de Aziz: “Prisão absolutamente ilegal e inconstitucional no nosso direito. Não há ‘crime de perjúrio’ no Brasil, mas somente falso testemunho, que é conduta típica atribuída somente a quem é ouvido como tal e tem o compromisso de dizer a verdade.”
“A condição de testemunha, suspeito ou investigado, por sua vez, não decorre da vontade de quem inquire, mas sim da substância dos fatos que levam o sujeito a ser chamado para depor”, prosseguiu. “O suspeito ou investigado, nessa condição, pode calar, mentir, confessar ou colaborar, logo, não haveria legalidade na prisão.”
Para o criminalista Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e sócio de Bialski Advogados, a CPI não pode querer, ao mesmo tempo, investigar, processar e punir. “Não é essa finalidade precípua dela. Seu objetivo é apurar fatos e determinar que as autoridades competentes tomem as medidas cabíveis.”
Ele defende que é necessário revisitar e modificar a forma de procedimento da CPI, especialmente, no que se refere à possibilidade de atuação dos advogados. “Muitas vezes, eles não podem se manifestar e os seus clientes acabam, infelizmente, sendo ameaçados de prisão. De forma temerária e até indevida, muitas das vezes, eles não podem sequer argumentar juridicamente sobre a ilegalidade destas postulações. Isso afronta não somente o artigo 133 da Constituição Federal, mas especialmente os direitos e prerrogativas da atividade profissional.”