Quinta-feira, 30 de outubro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de julho de 2021
Uma agência de marketing ofereceu pagamento para que influenciadores de redes sociais de todo o mundo espalhassem desinformação sobre vacinas contra a covid-19. Dentre eles, um YouTuber brasileiro.
Everson Zoio, conhecido por vídeos em que cumpre desafios inusitados, como o de colocar a mão em um formigueiro, publicou um vídeo em seu Instagram levantando dúvidas sobre a segurança da vacina da Pfizer. O vídeo foi deletado quando a história veio à tona. Ele não se pronunciou sobre o caso.
Por outro lado, alguns dos influenciadores que receberam o convite da agência de marketing denunciaram a tentativa de recrutá-los.
“Tudo começou com um e-mail”, diz Mirko Drotschmann, um YouTuber e jornalista alemão.
Drotschmann normalmente ignora ofertas de marcas que lhe pedem para anunciar produtos para seus mais de 1,5 milhão de seguidores. Mas a oferta de patrocínio que ele recebeu em maio deste ano foi diferente de qualquer outra.
A agência, chamada Fazze, pediu que ele promovesse o que ela dizia ser informações vazadas que sugeriam que a taxa de mortalidade entre as pessoas que recebiam a vacina Pfizer era quase três vezes maior que a da AstraZeneca.
As informações fornecidas não eram verdadeiras.
Rapidamente ficou claro para Drotschmann que ele estava sendo convidado a espalhar desinformação para minar a confiança do público em relação a vacinas no meio de uma pandemia.
“Fiquei chocado”, diz. “E então fiquei curioso: ‘O que está por trás de tudo isso?”
Na França, o YouTuber de ciência Léo Grasset recebeu oferta semelhante. A agência ofereceu 2 mil euros (cerca de R$ 12.200) por sua participação, dizendo que estava agindo por um cliente que desejava permanecer anônimo.
“É um grande indício de algo estava errado”, diz Grasset.
Grasset e Drotschmann ficaram revoltados com as falsas alegações que foram repassadas.
Eles fingiram estar interessados para tentar descobrir mais e receberam instruções detalhadas sobre o que deveriam dizer em seus vídeos.
Em um inglês que não parecia natural, o briefing os instruía a agir “como se você tivesse paixão e interesse neste tópico”.
Dizia para que eles não mencionassem que o vídeo tinha um patrocinador, e fingir que estavam dando conselhos espontaneamente por preocupação com os espectadores.
As plataformas de redes sociais têm regras que proíbem a não divulgação de que o conteúdo é patrocinado. Na França e na Alemanha, isso também é ilegal.
As instruções da Fazze pediam que os influenciadores compartilhassem uma notícia do jornal francês Le Monde sobre um vazamento de dados da Agência Europeia de Medicamentos.
Dados fora de contexto
A história era genuína, mas não falava em mortes por vacinas. Naquele contexto, no entanto, daria a falsa impressão de que as estatísticas da taxa de mortalidade vieram do vazamento.
Os dados que os influenciadores foram solicitados a compartilhar foram, na verdade, uma mistura feita a partir de diferentes fontes e retirada do contexto.
As “informações” usavam o número de pessoas que morreram em vários países algum tempo depois de terem recebido diferentes vacinas contra a covid-19. Mas só porque alguém morre depois de receber a vacina não significa que ela morreu porque recebeu a vacina. Ela pode ter morrido em um acidente de carro, por exemplo.
Nos países de origem das estatísticas, um número maior de pessoas havia recebido a vacina da Pfizer naquela época, portanto, era de se esperar um número maior de pessoas morrendo após a vacina da Pfizer.
“Se você não tem nenhum treinamento científico, você pode simplesmente dizer: ‘Ah, existem esses números, e eles são realmente diferentes. Portanto, deve haver uma ligação.’ Você pode fazer qualquer correlação espúria como quiser”, diz Grasset.
Os influenciadores também receberam uma lista de links para compartilhar: artigos duvidosos em que todos usavam o mesmo conjunto de números que supostamente mostravam que a vacina Pfizer era perigosa.
Quando Grasset e Drotschmann expuseram a campanha da Fazze no Twitter, todos os artigos, exceto a reportagem do Le Monde, desapareceram da internet.
Desde que Grasset e Drotschmann expuseram o convite, pelo menos quatro outros influenciadores da França e da Alemanha revelaram publicamente que também rejeitaram as tentativas da Fazze de recrutá-los.
Mas o jornalista alemão Daniel Laufer identificou dois influenciadores que podem ter aceitado a oferta.
O primeiro, um YouTuber indiano chamado Ashkar Techy, que costuma fazer vídeos engraçados sobre carros e namoro. E o segundo, o brasileiro Everson Zoio. Ele tem mais de 3 milhões de seguidores no Instagram, onde o vídeo sobre a Pfizer foi publicado, e 12,8 milhões no YouTube.
Os dois publicaram vídeos atípicos nos quais transmitiam a mesma mensagem da campanha da Fazze, compartilhando também links de notícias falsas que estavam nas instruções enviadas pela agência. Ambos também haviam participado de promoções anteriores do Fazze.