Domingo, 04 de maio de 2025
Por Redação O Sul | 15 de abril de 2022
Quase três milhões de pessoas em todo o mundo têm esclerose múltipla (EM). Alguns cientistas acreditam ter descoberto a causa desta doença incurável. Eles acreditam que se trata de um vírus que quase todos nós podemos pegar. Mas o que isso significa para o tratamento e prevenção da EM?
Nossos cérebros são como uma “orquestra” de atividade elétrica. Bilhões de “indivíduos”, os neurônios, produzem sinais elétricos precisos. Quando eles se juntam, a sinfonia resultante é quem somos, nossos pensamentos, nossas emoções, nosso controle sobre o corpo e como experimentamos o mundo ao nosso redor.
Mas na esclerose múltipla, há um sabotador em ação. Nosso próprio sistema imunológico se volta contra os neurônios e eles não conseguem mais tocar em sintonia. O resultado pode ser devastador.
O que leva o sistema imunológico a agir assim tem sido um mistério longo e muito debatido, mas estudos publicados este ano apontaram convincentemente para o vírus Epstein-Barr (EBV).
“É uma evidência muito, muito forte de que esse vírus provavelmente é a causa da esclerose múltipla”, disse o professor Gavin Giovannoni, da Universidade Queen Mary de Londres, à BBC.
Trabalho de detetive
O vírus Epstein-Barr é tão comum que quase todos nós podemos esperar pegá-lo ao longo de nossas vidas. A maioria de nós nem vai notar, mas o vírus é famoso pela “doença do beijo”, que também é conhecida como febre glandular ou mononucleose.
O EBV está na lista de suspeitos de esclerose múltipla há décadas, mas é difícil obter provas definitivas porque o vírus é muito comum e a esclerose múltipla é rara.
A prova crucial veio dos militares dos EUA, que coletam amostras de sangue de soldados a cada dois anos. As amostras são mantidas nos freezers do Repositório de Soro do Departamento de Defesa e acabaram se revelando uma mina de ouro para pesquisadores.
Uma equipe da Universidade Harvard analisou amostras de 10 milhões de pessoas para estabelecer a conexão entre o EBV e a esclerose múltipla.
O estudo, publicado na revista Science, encontrou 955 pessoas que foram diagnosticadas com esclerose múltipla e, usando as amostras regulares de sangue, conseguiram traçar o curso da doença.
“Indivíduos que não foram infectados com o vírus Epstein-Barr praticamente nunca desenvolvem esclerose múltipla”, diz Alberto Ascherio, de Harvard.
“É somente após a infecção pelo vírus Epstein-Barr que o risco de esclerose múltipla aumenta em mais de 30 vezes.”
A equipe verificou outras infecções, como o citomegalovírus, mas apenas o EBV teve uma conexão clara com a doença neurodegenerativa.
Alguns soldados pegaram o vírus. Sinais de lesão no cérebro – chamado polipeptídeo de luz de neurofilamento, que é essencialmente o resíduo de células cerebrais danificadas – começaram a aparecer no sangue. Eles foram diagnosticados com EM cerca de cinco anos após a infecção.
Ascherio diz que o estudo é a “primeira” evidência convincente de que o EBV causa a doença. Ele disse que é “bastante comum” que os vírus infectem muitas pessoas, mas só causem complicações graves em algumas. Por exemplo, no mundo antes das vacinas, “praticamente todas as crianças” pegavam poliomielite, mas uma em 400 desenvolvia paralisia.
Mas como ter certeza?
Para provar definitivamente que o vírus tem um papel crítico na doença é necessário realizar um estudo capaz de impedir que as pessoas peguem EBV – e ver se isso previne a esclerose múltipla. Por ora há pesquisas em andamento que desvendam o que o vírus faz dentro do corpo.
Se nos concentrarmos em um único neurônio – um mero instrumento na orquestra do cérebro – ele é revestido por uma camada gordurosa de isolamento chamada bainha de mielina. É essa camada de gordura que permite que os sinais elétricos atinjam os neurônios a velocidades de 100 metros por segundo. Mas na esclerose múltipla, o sistema imunológico ataca a mielina, interrompe as mensagens elétricas e danifica o neurônio.
Dependendo de qual parte do cérebro ou da medula espinhal é afetada, a esclerose múltipla pode levar a dormência, visão turva, dificuldade para andar, fala arrastada e problemas de memória ou emoções.
O professor Bill Robinson, imunologista da Universidade de Stanford, na Califórnia, era um cético do EBV até alguns anos atrás. “Eu não levava isso a sério, todo mundo tem EBV, então não há como realmente isso ser a causa da EM”.
Agora ele está completamente convencido desta ligação. Ele acha que poderá ser capaz de juntar os pontos entre o vírus e a bainha de mielina.
Seu estudo, publicado na revista Nature, mostrou que a bainha de mielina sofre de identidade equivocada e é atacada por uma parte confusa do sistema imunológico que pensa estar combatendo o EBV.